Segundo a tradição, Gonçalo de Amarante, nascido em Tagilde – Vizela, pároco de São Paio (Vizela), peregrina a Roma e a Jerusalém, durante 14 anos. Regressado a Portugal, deixa em definitivo a vida paroquial e torna-se ermita, fixando-se nas margens do Tâmega, numa ermida arruinada que trata de reedificar.
Algum tempo depois, ingressa na Ordem de São Domingos, instalada em Guimarães, pelo menos desde 1221 (em instalações provisórias no Hospital vimaranense), no entanto, não se fixa na comunidade dominicana e retorna para a sua ermida de Amarante.
A partir do seu eremitério, Gonçalo evangeliza todos aqueles que o procuram ou que se aventuram a transpor o Tâmega, por meio de uma ponte arruinada. Comovido pelo risco destes viajantes, alguns a Caminho de Santiago, toma a iniciativa de a restaurar.
Por volta de 1250, restabelecida que estava a travessia sobre o Tâmega, o local ermo e apartado de gente, descrito por Frei Luís de Sousa, converte-se no centro nevrálgico da Vila de Amarante.
Após a morte do frade pregador, a 10 de Janeiro de 1259, a pequena ermida converte-se em local de peregrinação e, somente 20 anos depois, o pequeno templo, até então dedicado à Virgem, passa à invocação do pregador e assim se designava em 1279, embora a beatificação do venerando Gonçalo de Amarante, aconteça apenas séculos depois, em 1561.
Acerca deste pequeno espaço religioso, sabe-se que estava localizado junto ao rio Tâmega, no termo da povoação de Amarante (que então despontava), e fronteiro, na margem direita, à Ponte d’Amarante.

No interior, para além da sepultura de São Gonçalo e de um provável altar dedicado a Santa Maria (Nossa Senhora da Assunção), existiria uma capela de São Tiago que, em 1564, pertencia a Francisco Cerqueira Coelho, cavaleiro da Ordem de Santiago. Há, ainda, a menção a uma capela da invocação de Jesus Cristo e, junto desta, um arcossólio onde repousavam os restos mortais dos antepassados de Amador de Queirós da Quinta do Outeiro..
À sepultura de Gonçalo de Amarante, aparentemente em campa rasa, fora acrescentado, segundo Frei Luís de Sousa, um jacente: «trataram logo de lhe lavrar huma sepultura alta de boa pedraria, e na grossura da lagea, que a cobre, fizeram entalhar huma figura de relevo quasi inteiro com seu habito, e capello». O jacente supramencionado, do Séc. XV, corresponderá ao que atualmente se encontra sobre a urna do atual túmulo de São Gonçalo, um acrescento do século XVII.
A crer na descrição do cronista dominicano, a primitiva imagem de São Gonçalo, o designado “São Gonçalo da Corda”, que se pode ver novamente na Capela das Oferendas, será contemporânea da tampa sepulcral do túmulo do santo.
A ermida manteve as suas funções até 1586, já com o convento em construção, uma vez que as obras começaram pelos dormitórios do lanço paralelo ao rio. Esta manutenção permitiu a realização dos ofícios litúrgicos dos dominicanos (que, entretanto, começam a fixar-se em Amarante) e do acolhimento dos muitos peregrinos que aqui afluíam. Importa ressalvar que em 1567, segundo Frei Diogo do Rosário, o número de peregrinos de São Gonçalo já era consubstancial, principalmente nos dias de festa, a 10 de janeiro e nas semanas seguintes ao Pentecostes.
Nesta fase, o templo medieval viria ainda a ser agraciado com um retábulo em granito oferecido por D. João III, provavelmente em 1545, aquando da visita do irmão, o então infante-arcebispo de Braga, D. Henrique. Tudo leva a crer que o retábulo, com evidentes influências de João de Ruão, seria desmantelado em 1610 e os seus elementos reaproveitados na fonte da cerca do convento e no clerestório da nova Igreja de São Gonçalo.
Sabe-se também, pelas memórias do convento, que quando a ermida começa a ser desmantelada, as cerimónias religiosas acontecem num oratório em madeira, executado para o efeito.
Segundo as inquirições de D. Afonso IV à Ordem do Hospital de 1348, a agora designada Igreja de São Gonçalo era o local escolhido para o juramento dos juízes eleitos da Vila de Amarante, ato que tinha lugar em dia de São João Baptista, a 24 de junho, como atesta o depoimento de Pedro Salvado: «o juis dos cavalleiros jurava na Igreja de Saõ Gonçalo da Marante».
O facto de a cerimónia acontecer neste local, poderá significar que a ermida gozava de estatuto privilegiado entre as demais igrejas de Amarante. O mesmo atesta o crescimento e a consolidação da devoção gonçalina em detrimento da mariana.
Tal importância fez, segundo Frei Luís de Sousa, com que os abades de São Veríssimo se assenhoreassem dela, anexando-a e assim poderem recolher parte dos seus rendimentos, em cera, gado, dinheiro, entre outros.
Por fim, importa referir que a existência de uma invocação a Santa Maria Maior (da Vila de Amarante), nas inquirições de 1220, pressupõe a existência de outras ditas menores, no mesmo espaço geográfico. O epiteto “Maior” é, por si só, um indicador da relevância de uma igreja em prol das outras de menor importância/dimensão como ermidas, capelas ou oratórios. Será que a capela de Amarante, taxada em 10 libras, no ano de 1320, é a ermida de São Gonçalo e a mencionada igreja de Amarante, citada no mesmo documento, taxada em 200 libras, remete para a desaparecida Igreja de Santa Maria Maior da Vila de Amarante?
Referências Bibliográficas:
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