Amarante: Biblioteca Municipal entre o abandono e a degradação

Edifício e logradouro da BMAS.

A ausência de obras de manutenção e reparação está a deixar o edifício da Biblioteca Municipal Albano Sardoeira (BMAS) em estado de abandono e de degradação. No inverno, a água escorre pelas paredes interiores e faz desprender o gesso dos tetos; no exterior, o reboco cai das fachadas e as ervas vão tomando conta do logradouro.

Se Albano Sardoeira, Teixeira de Pascoaes ou Agustina Bessa-Luís pudessem visitar, hoje, a Biblioteca Municipal da sua terra, por certo corariam de espanto pelo estado de desleixo, abandono e degradação que tomou conta do edifício. Pascoaes, esse, por certo, exigiria, até, o retorno do seu espólio – que o Município comprou em 2013 – ao solar de Gatão, ou entregá-lo-ia a uma instituição onde a História e a Cultura fossem levadas a sério.

Desde há vários anos que, na BMAS, os invernos são vividos em sobressalto, havendo, nessa altura do ano, baldes e “cestos de vindima” espalhados pelo segundo andar do edifício a recolher a água que cai dos tetos ou se infiltra pelas paredes, arrastando consigo estuque e gesso (ver imagens). Na Sala de Adultos, há, mesmo, uma zona interdita a leitores, não vá acontecer algum acidente.

AMARANTE MAGAZINE sabe que num espaço (de acesso não público) da BMAS, conhecido como Depósito, quando chove, a água que aí jorra provocou já a destruição de livros do escritor amarantino Ilidio Sardoeira, com a biblioteca Camiliana e o Fundo Primitivo da instituição, que também aí estavam, a terem de ser postos a salvo, transitando para uma zona intermédia, menos afetada pela humidade.

As infiltrações de água no edifício da Biblioteca Municipal de Amarante não provocam danos apenas no seu espólio e nas paredes e tetos do edifício. Põem também em perigo toda a instalação elétrica, sendo evidentes os riscos de poderem existir curto-circuitos. 

Excesso de água no fosso do elevador, seja a que aí nasce ou a que lá vai parar, tem aquele equipamento “temporariamente fora de serviço” desde novembro do ano passado, com reflexos evidentes na acessibilidade e mobilidade dos leitores e outros utentes da BMAS.

Por outro lado, a degradação das paredes exteriores do edifício parece refletir, de forma clara, o (des)interesse pela preservação e manutenção daquele edifício público. As fotografias que apresentamos abaixo não precisam de legendas, saltando à vista os danos existentes no reboco das fachadas e a falta de pintura.

O logradouro da BMAS é, de igual modo, o espelho do abandono dominante. Aí, crescem ervas daninhas, restando apenas um “carreiro”, aberto por peões e percorrido por turistas e residentes a caminho da zona do Campo da Feira.

A infiltração de água, a degradação e o abandono são também patentes nos espaços do Arquivo Municipal, cujo acervo guarda muita da história de Amarante.

O edifício da Biblioteca Municipal Albano Sardoeira (e Arquivo Municipal) resulta do antigo Convento de Santa Clara, no qual, aquando das invasões francesas, os exércitos de Napoleão derrubaram parte do muro da cerca monástica para aí instalarem as suas peças de artilharia, vindo, depois, a incendiá-lo.

Mais tarde, a parte regular do Convento sofreu demolições e foi transformada em residência particular, que passou a ser conhecida como Casa da Cerca. A Igreja sobreviveu, mas foi arruinada e profundamente mutilada em 1962, aquando da regularização e alargamento da rua do Largo de Santa Clara. Atualmente, subsiste apenas uma capela, classificada como imóvel de interesse público, desde 1974.

Em 1993, a Câmara Municipal de Amarante comprou a Casa da Cerca, com o intuito de aí instalar a Biblioteca e Arquivo Municipais, equipamentos que, depois de reconvertido o edifício, viriam a ser inaugurados em 2003.

AMARANTE MAGAZINE questionou, via e-mail, a presidência da Câmara de Amarante sobre o estado atual da biblioteca e do arquivo municipais (acima descrito), mas, até ao fecho desta peça, não nos foi remetida qualquer resposta. Públicá-la-emos se, entretanto, nos for enviada.

Solicitamos, também, um comentário ao advogado Armindo Abreu, que era, à data da inauguração daqueles equipamentos, presidente da Câmara de Amarante. Eis o conteúdo do texto que nos enviou.

“Um edifício simbólico”

A “Casa da Cerca”, como qualquer outro edifício, está sujeita à usura do tempo mas, não é um qualquer imóvel anódino que não mereça um especial cuidado de conservação. É um dos edifícios conformadores do Centro Histórico de Amarante e, pelo seu destino passado e actual, tem uma carga simbólica forte, que ninguém de nós deve desvalorizar.

Adquirida pelo Município em 1993, logo no ano seguinte a Câmara Municipal lançou um concurso de ideias para a escolha da melhor proposta possível para a sua recuperação , tendo já em intenção o seu uso actual. Ganhou o concurso o gabinete dos arquitectos  António Portugal +Manuel Maria Reis.

A recuperação da “Casa da Cerca”, segundo o projecto de arquitectura vencedor do concurso e após trabalhos arqueológicos, ficou concluída em 2003 e, desde esta data, até ao presente, que se saiba, não sofreu obras  de conservação significativas, a não ser no aspecto da climatização. Não é, por isso, de estranhar que as fachadas argamassadas apresentem o aspecto desolador que se constacta. 

Não é, contudo, trabalho de monta e especialmente qualificado regularizar as fachadas com argamassa de cal hidráulica e caiá-las, bem como manter limpo e asseado o logradouro.  Basta um pouco de  cuidado e de interesse.

Mais preocupante e, porventura, indesculpável é a falta de vigilância regular e de reparação dos caleiros interiores e telhados, que permitiram a infiltração de água das chuvas nos tectos em gesso do último piso, pondo a sua conservação em perigo. Seria uma perda dificilmente reparável deixar-se perecer os tectos  magníficos que a “Casa da Cerca” ostenta e cuja recuperação foi tão difícil. 

Mas, ouro sobre azul seria pôr a biblioteca a funcionar de acordo com o programa de leitura pública que impõe a Rede Nacional que ela integra.

Sem um regular aproveitamento e conservação dos equipamentos que se vão construindo, quanto mais investirmos em novos, mais pobres ficaremos.

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