Revisitando Lendas Amarantinas de Mouras Encantadas na Arte de Gonçalo Alves

Moura Encantada/Penedo da Rainha.

Artista Gonçalo Alves inspirou-se nestas lendas e criou duas telas ilustrativas.

Em Setembro de 2020 publicamos um artigo sobre duas lendas amarantinas de mouras encantadas: a Lenda do Penedo da Moura (em Fontelas – Cepelos/Lomba) e a Lenda do Penedo da Rainha (em Rainha – Gatão). 

Ambas estão associadas a formações rochosas, destacadas na paisagem: o Penedo da Rainha, naviforme, no Parque de Campismo de Amarante; e o Penedo da Moura, esférico, no Monte Fontelas.

Ao longo dos tempos, talvez pela sua posição destacada na paisagem, as comunidades locais atribuíram-lhes propriedades taumatúrgicas que se podem traduzir na actualidade em lendas!

Por desafio do autor do artigo acima mencionado, o jovem artista Gonçalo Alves inspirou-se nestas lendas e criou duas telas ilustrativas que se passam a descrever e interpretar.

Gonçalo Alves.

Antes de passarmos à sua análise, apresentamos o autor. 

Gonçalo nasceu no ano de 1987 em Real (actualmente integrada na freguesia de Vila Meã – Amarante), no seio de uma família humilde. Aos 18 anos emigra para Andorra com o objectivo de alcançar uma vida melhor, todavia um trágico assidente rodoviário, viria a deitar por terra todos os seus sonhos e projectos! 

Apesar de ter perdido algumas das suas capacidades físicas, Gonçalo não desiste e regressa a Portugal em 2013. Algum tempo depois, inicia uma formação em desenho e pintura na Porta 43, um espaço cultural amarantino, promovido pela Associação Gatilho. 

Na Gatilho, para além da sua aprendizagem, Gonçalo vai desenvolvendo o gosto pela arte e começa o seu percurso artístico, explorando e desenvolvendo as suas criações, onde o abstraccionismo, o cubismo e o surrealismo se fundem e complementam!

Em 2015, participa pela primeira vez numa exposição colectiva e daí para cá nunca mais parou e conta actualmente com mais de 26 mostras individuais ou colectivas. 

Lenda do Penedo da Moura. Tela de Gonçalo Alves.

Na obra “A Lenda do Penedo da Moura”, acrílico sobre tela, com 100 x 50 cm, destacam-se as suas três personagens principais, a princesa moura, ao centro, o camponês à esquerda (de quem observa) e o rei mouro à direita. Entre a princesa e o camponês, o penedo, local dos seus encontros e da sua paixão. Ao fundo, uma linha de muralha, associada ao Castelo de Fontelas, onde o rei residia com a sua filha. À esquerda uma montanha verde, representativa do frondoso Monte de Fontelas, onde se desenvolve a acção da lenda. Neste, vê-se ainda um túnel de onde sai uma serpente que envolve a princesa e personifica a sua actual condição, após o encantamento perpetrado pelo pai, o rei mouro. O rei é representado apenas com um olho aberto em sinal espionagem, recordando que na lenda é informado pelos seus serviçais e ele próprio encontra filha, num dos seus encontros amorosos no penedo que culmina com o encantamento da princesa. 

Sobressaem ainda nesta representação, os lábios vermelho-rubros dos amantes, simbolizando a sua paixão que não olha a estatutos ou condicionalismos sociais. 

Importa ainda referir que a serpente (ou cobra para se ser mais fiel à lenda) se encontra em posição se saída e de retorno à gruta, lembrando o ciclo anual da sua aparição no penedo e regresso às entranhas da terra, durante as primeiras manhãs de Junho.   

Lenda do Penedo da rainha. Tela de Gonçalo Alves.

Em “A Lenda do Penedo da Rainha”, também um acrílico sobre tela e de iguais dimensões ao anterior (100 x 50 cm), identificam-se à esquerda de quem observa a princesa mourisca e à direita, o rei cristão. Por sua vez, o príncipe cristão surge em segundo plano, semi-escondido num penedo, o Penedo da Rainha. 

Do rei saem nuvens de fumo «que simbolizam a sua fúria contra o romance da mourisca com o príncipe» e que pairam sobre a cabeça do infante enamorado, personificando a sua angústia e o seu pensamento toldado pelo desespero, em ter de encontrar uma solução rápida para que a jovem mourisca não seja violentada ou desonrada.

O príncipe é envolvido por uma capa que apenas expõe a cabeça e a espada e que mostra o seu modo de agir: os encontros em segredo com a jovem; o esconder do tesouro real e a morte piedosa da princesa mourisca.

Do mesmo modo, a capa que o envolve poderá ainda simbolizar o seu medo em afrontar o rei, o seu povo e a sua cultura, preferindo manter a ordem social/cultural, em detrimento da sua vontade, no entanto, agindo discretamente na preparação de um plano de fuga. 

No rei, podem ver-se vários rostos humanos que simbolizam a sua figura, enquanto representante de um povo, de uma cultura e de uma vontade colectiva.   

Na cena, surge ainda uma espada ensanguentada mas que não fere a princesa mourisca, em atitude de aceitação do seu destino. 

Esta espada que fere mas não crava, demonstra ainda que o Amor sobrevive ao destino cruel, relembrando que o príncipe não esquece a jovem, aclamando-a de rainha (mesmo depois de morta), bem como ao penedo (Penedo da Rainha) e à colina dos seus encontros (Rainha ou Monte da Rainha).

De forma subtil pode ainda ver-se, ao centro, um penedo que guarda no interior, um baú com ouro que representa o tesouro real desviado. 

Todo o conjunto é delimitado por um céu esquematizado em quadrados a tons azuis, brancos e dourados. Ao fundo, sobre o rio, uma pequena embarcação, numa analogia ao futuro feliz que os dois jovens almejavam e preparavam.     

Recorde o nosso artigo sobre lendas de mouras encantadas em Amarante aqui: https://amarantemagazine.sapo.pt/sociedade/lendas-de-mouras-encantadas-em-amarante/

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