Festa Amarantina: tudo começou com uma sardinhada de vizinhos

A Festa Amarantina é um ícone da animação na cidade (Foto: Carlos Gallo).

A poucos dias da chegada do verão, cheira a festas populares, a romarias, a festivais. É um cheiro que temos de memória, porque, este ano, “os eventos do costume” voltarão a não acontecer. Por causa de um vírus que nos impede de celebrar, de receber e abraçar amigos. A “Festa Amarantina”, por exemplo – que, em poucos anos, se tornou um ícone da animação da cidade – não se fará. A acontecer, seria no primeiro fim de semana de julho. Vive do no sense e do improviso, mas é uma festa do carago! Recordamo-la, aqui, começando com uma pergunta.

O que é que a “Festa Amarantina” tem a ver com a recuperação de imóveis na “rua da Cadeia”?

Nada, poderá pensar-se. Ou tudo, dirão alguns. A verdade é que com a Festa Amarantina, houve muito mais olhos a olharem para aquela rua, onde as portas das casas se franquearam, não só as habitadas mas também as que estavam devolutas (algumas ainda estão), abrindo-se em tasquinhas de comes e bebes, em espaços de animação e de convívio.

“A rua estava vazia”, diz Carlos Gallo, designer, que já lá vivia e que é um dos promotores do evento. 

“A ideia foi abrir casas devolutas e fazer acontecer algo lá dentro, dando-as a conhecer aos visitantes. Várias vieram a ser compradas e, hoje, há uma grande intervenção a nível de restauro, que nós acreditamos que possa ter sido influenciada pela Festa Amarantina. Acho que conseguimos dar visibilidade à rua e torná-la apetecida para morar”, refere.

Depois, a abertura das casas já habitadas aos “romeiros” da Festa Amarantina, significando perda de intimidade, pode também ter contribuído para contrariar a ideia dominante de que as casas eram pouco acolhedoras, frias e com espaços exíguos, pensa Carlos Gallo.

Olá vizinho!

Com casa na Rua da Cadeia desde há 11 anos, Carlos Gallo, puxado pelo espírito de boa vizinhança, teve, um dia, a ideia de propor uma sardinhada a outros moradores da rua. Combinada a data, o repasto aconteceu e haveria de repetir-se uma e outra vez. Só que, gradualmente, deixou de ser um encontro só de vizinhos, já que, cada um trazia os seus convidados. 

E a tal ponto cresceu o número de convivas, que se decidiu usar o espaço público, mantendo o espírito inicial. A Junta da União de Freguesias apoiou com a logística e as licenças exigíveis e a rua da Cadeia (rua Miguel Pinto Martins, rua Miguel Bombarda, rua Teixeira de Vasconcelos e Largo de S. Pedro) passou a receber os vizinhos e os convidados dos vizinhos. No empedrado, literalmente, em garagens, ou em espaços como a Porta 47 ou a Gatilho.

A vinda para a rua aconteceu em 2013 e as duas primeiras “arruadas” não tiveram nome. Só à terceira, já com alguma decoração dos espaços, nasceu a “Festa Amarantina”, designação que Carlos Gallo considera “muito bonita” e que acha ter a ver com o espírito do evento, que diz ser “de muita proximidade, solidário e marcadamente comunitário”. Depois, diz, porque não é uma festa que celebre um santo, não tem um orago, nem é temática. Vive muito da ironia, do humor, do “no sense”. 

A equipa por detrás da “Festa Amarantina”

“Do ‘no sense’, principalmente: o programa da festa é feito de concertos anunciados, mas que não se realizam e as atuações não estão programadas. São espontâneas, podendo acontecer em plena rua, nos passeios, nas varandas, numa garagem”, ilustra. 

Numa noite (a “Amarantina” começa ao final da tarde) têm lugar para cima de 20 atuações, sem qualquer alinhamento e sem que músicos ou artistas cobrem qualquer cachê. E são cada vez em maior número os que se oferecem para atuar. Por prazer, pelo espírito da festa, porque sim. De visita a Amarante, em 2015, Berg, que um ano antes havia vencido o X Factory, foi “apanhado” na rua e “obrigado” a fazer uma atuação improvisada.

Na Festa Amarantina, “entram na onda”, sem programa ou guião, jovens de escolas de música ou dança, bandas locais de pop rock, animadores e palhaços, grupos de violas amarantinas, de bombos e concertinas.

O caráter solidário e comunitário da “Amarantina” ilustra-o Carlos Gallo com o modo como as tasquinhas improvisadas ou os vendedores que têm as suas barracas no Largo de S. Pedro não concorrem entre si, antes partilham bancas, energia elétrica ou gelo. E há até quem, no fim da festa, entregue o apuro à organização.

A Festa Amarantina tem muitos momentos em que apetece estar e viver. O mais aguardado, designado “Grande momento ‘sa Foda’”, acontece à meia noite, quando, das varandas, é atirada sobre os “romeiros” concentrados no Largo de S. Pedro, uma chuva de doces fálicos. Geralmente à volta de três mil, disputados um a um, são guardados como troféus e, depois, consumidos com deleite e sarcasmo q.b. por quem teve a sorte de ser contemplado.

Logo de seguida, com a “turba” mais calma, é hora de fazer guarda ao Presidente da Junta da União de Freguesias, acompanhando-o até à “Barbearia do Carlos” onde, manda a praxe, lhe é cortada a barba, ato seguido por muitos, entusiasmados, através da montra do estabelecimento.  Vinte a trinta minutos volvidos, bem escanhoado, ao Presidente espera-o a rua, para onde sai acompanhado por Carlos Barbeiro. 

A noite é uma criança.

(Esta estória foi, originalmente, publicada na revista “União”, editada pela Junta da União de Freguesias de Amarante (S. Gonçalo), Madalena, Cepelos e Gatão, em abril de 2021).

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