O dia desperta vagarosamente com o sol encoberto num manto de neblina que se faz sentir na madrugada de um sábado de inverno.
Assim como o dia, também me sinto preguiçosa, mas ao iniciar a caminhada, de mochila às costas e botas de montanha, sinto-me a desabrochar com uma sensação de leveza e paz, captada na natureza do percurso, que me faz esquecer tudo o resto e entrar dentro de mim.
Na geração foguetão em que nos encontramos, a aceleração contínua de nossas vidas leva-nos a um passo apressado que nos reporta continuadamente para fora de nós mesmos e valorizar tão somente o “ter” em detrimento do “ser”.
E assim, esquecemo-nos de quão importante é olharmos para dentro, para o nosso “self”, desvalorizando as pequenas coisas que são tão grandes.
Sigo o meu trilho, respirando o frescor da manhã e, de olhar atento, observo o céu “abrindo-se” trazendo os primeiros raios de sol, as pequenas flores silvestres multicolores, os tímidos fetos que se deliciam com as gotas de orvalho, que me mostram que a sua grandiosidade e esplendor não está no tamanho.
Escuto o som da água cristalina e fresca a saltitar nas pedras. E estas, quem diria, têm tanto para contar. E como são diferentes umas das outras… redondas, alongadas, brilhantes, com cristais, lisas e suaves, como se tivessem tido uma pincelada de verniz, ou tão simplesmente rugosas. Levo uma comigo.
E os animais surgem com mais nitidez e detalhe. As borboletas a esvoaçarem ao meu redor e a pousarem aqui e ali, com a sua elegância característica. As formigas no seu trabalho rotineiro e apressado. A lagartixa que se esgueira por uma fenda na rocha ao escutar o grito estridente da águia.
Escuto, no silêncio da natureza, a invasão de uma paz interior, que se reflete no semblante da serenidade do meu rosto gélido. E a conexão que sinto com a natureza leva a um êxtase que se repercute na essência do meu ser, apaziguando os conflitos internos de uma forma branda e serena.
Após a “paragem técnica” onde aproveito para me deliciar com alguma fruta, tendo o cuidado de não deixar para trás nenhum lixo inorgânico, sigo o meu percurso, de olhar atento e ouvido aguçado, com o intuito de nada perder da esplendorosa paisagem.
Mais adiante, ao cruzar com outro caminheiro, que me cumprimenta calorosamente ou até mete conversa sobre o caminho, percebo que partilha os mesmos sentimentos, num labirinto de emoções muitas vezes impossíveis de expressar por palavras.
No final do dia, com o corpo cansado mas o espírito livre, reflito em como precisamos de tão pouco para sermos felizes, quando conseguimos desfocar do ritmo apressado e violento da selva em que nos encontramos, dia após dia e ano após ano, emaranhados em conflitos e mesquinhices da sociedade dita desenvolvida.