Mota e Costa: um verdadeiro “artista de peso”

Mota e Costa, acompanhando Cilita Lopes.

(Álvaro Nazareth foi realizador e diretor de programas da RDP/Antena 1 Porto e apresentador de diversos programas na Rádio e Televisão Portuguesa (RTP) Porto. Enquanto profissional da comunicação, cruzou-se muitas vezes com Mota e Costa, a quem, por brincadeira, chamava de “artista de peso”. Nesta artigo, recorda o criador da Festada do Tâmega)

Ao longo dos anos, entrevistar tornou-se o meu modo de vida profissional, principalmente na década de 1980, quando o fazia na rádio e na televisão. Diria que a grande maioria desses contactos, incrivelmente enriquecedores, acabaria por resultar em longas amizades. Ou seja, alimentar raízes e ter asas, resumirá a essência da própria vida para quem nela envolve amizades valiosas, como as muitas que guardo da minha vida multifacetada.  

É nesta fascinante galeria que reservo agora a de Mota e Costa, dada a amizade e a admiração que por ele sempre tive, sentimento que sabia mútuo e que nos tornou amigos para além das nossas atividades profissionais. É facto que todo o texto, na sua construção criativa, tem sempre pausas, como na música, tempos de espera por algo que o reforce e faça entender melhor o seu fio condutor.

Para me deter apenas em alguns amigos amarantinos, Mota e Costa tem igualmente um longo horizonte para além do seu conteúdo de palavras; foi assim com Agustina, com António Cardoso, com Nuno Brás, com José Santos quando, como agora, me foi endereçado um gentil convite para me pronunciar sobre as memórias que deles guardo, alguns apenas, bons amigos que já partiram. Nestes momentos, a vida como que se rebobina e nestes, como noutros casos, a tristeza invade-nos com mais pressão.

A organização deste evento (Festival da Canção do Tâmega) envolveu toda a Amarante, e como facilmente se depreende, Mota e Costa dividia-se em contactos a fim de sensibilizar os mais variados setores da sociedade. Contudo, a ideia do Festival, lançada de modo prudente, revelava que esta nunca seria abandonada perante os fortes andaimes com que o seu realizador ia erguendo uma obra de inquestionável qualidade fora dos centros habituais.

Se Agustina era, há mais de cinquenta anos, uma senhora que já conhecia bem, através de sua filha Mónica, minha colega de curso nas Belas Artes, principalmente quando ambas se encontravam nos jardins desta Faculdade, o que era sempre pretexto para uma sempre muito agradável conversa entre alguns alunos e a escritora, Nuno Brás viria a ser um meu ilustre colega quando ingressei na Antena 1, na Rua Cândido dos Reis, no Porto, e António Cardoso que conheci na Telescola, onde colaborei durante cerca de dois anos. O nosso último encontro ocorreu nos estúdios do Porto da RTP, na cerimónia comemorativa dos sessenta anos da sua primeira emissão. Um reencontro que me ocorre com frequência tal a indisfarçável emoção do abraço dado. A notícia do falecimento de Mota e Costa chegou-me por telefone, ainda muito recentemente e por gentil contacto de Nicolau Ribeiro, diretor desta revista de referência na região amarantina e seguramente noutras longitudes.

Acedi, naturalmente, ao gentil convite que me dirigiu depois, no sentido de escrever sobre este amigo de quem guardo inesquecíveis memórias, não apenas as que o relacionam com o Festival da Canção do Tâmega, que apresentei, a seu convite, num cenário edílico e num espaço concebido entre as margens do Rio, a montante da magnífica Ponte de S. Gonçalo e não muito distante desta, mas também de outros.

A organização deste evento envolveu toda a Amarante, e como facilmente se depreende, Mota e Costa dividia-se em contactos a fim de sensibilizar os mais variados setores da sociedade. Contudo, a ideia do Festival, lançada de modo prudente, revelava que esta nunca seria abandonada perante os fortes andaimes com que o seu realizador ia erguendo uma obra de inquestionável qualidade fora dos centros habituais.

Isso mesmo me garantiu, numa das ocasiões em que me apareceu, inesperadamente, nos estúdios da Antena 1, dizendo que tinha “mais novidades” sobre o Festival e que “seria muito oportuno, caso fosse possível”, delas dar conta aos ouvintes do programa que, era sabido, Mota e Costa ouvia regularmente. 

(…) Quando Nuno Brás se reformou, Mota e Costa tratou de lhe realizar uma festa de homenagem no estádio municipal, ideia que contou com a minha discrição até o programa ficar totalmente elaborado. Foi um sucesso, naturalmente, ou não fossem ambos filhos da terra e igualmente figuras públicas de quem os seus conterrâneos se orgulham.

Era, pois, natural que esta amizade se fosse fortalecendo, ora por efeito dos seus convites para que assistisse à seleção das canções concorrentes a um dos festivais a que estava ligado, em parceria com o seu colega Mesquita – ocorriam no Porto, num edifício da Avenida da Boavista, sede do então Sindicato dos Músicos – ou como apresentador do espetáculo de fim de ano da Musical Trofa, onde Mota e Costa era também docente. Por vezes, as nossas conversas giravam, durante um almoço de amigos, por outras matérias, o que nos permitiu sabermos algo mais de nós para além das vidas profissionais. Realço sempre a sua inconfundível postura de elevada simpatia, naquele tom pausado e inalterado com que sempre conversava ou se dirigia a uma audiência.

A nossa amizade permitia que lhe chamasse de um verdadeiro “Artista de Peso”, alcunha apenas pronunciada se entre amigos, como no caso que conto de seguida, mas que ele aceitava sempre com uma graça de cariz gastronómico, Certa vez, também na Antena 1, creio que a propósito do lançamento de mais um disco do conjunto que tinha o seu nome, entre dois temas, pedi-lhe para convencer alguém, em direto e que não conhecesse Amarante, a visitar a cidade quando possível. Após os instantes de natural hesitação, Mota e Costa mostrou o quanto de importante tem a sua terra, percorrendo episódios da sua história, do seu património cultural, falou de Amadeo, de Pascoaes, de Agustina, da gastronomia local e até de Nuno Brás. Um excelente momento esse, desde logo pelo retorno que teve a sua mensagem.

Aliás, quando Nuno Brás se reformou, Mota e Costa tratou de lhe realizar uma festa de homenagem no estádio municipal, ideia que contou com a minha discrição até o programa ficar totalmente elaborado. Foi um sucesso, naturalmente, ou não fossem ambos filhos da terra e igualmente figuras públicas de quem os seus conterrâneos se orgulham.

Ilídio Inácio é outro nome incontornável da Rádio. Do Rádio Clube do Norte, passando pelos Emissores do Norte Reunidos, este ribatejano revelou, desde jovem, grandes qualidades como ator e apresentador de espetáculos. Não tardou que fosse notado e ainda com vinte e poucos anos rumou ao Porto, a convite de Nuno Brás. Viria a ser um dos mais populares locutores do Porto, incluindo a declamação nas suas qualidades. Contudo, foi como fundador do Quadrante Norte que o tornou famoso no país ao revolucionar os relatos de futebol, chamando para essa tarefa Desidério Amaro, um português que viveu durante muitos anos no Brasil e de lá trouxe o sotaque de “Português com Açúcar”. Os relatos envolviam a repetição das principais jogadas, algo que fez furor e uma legião de ouvintes fiéis. Éramos amigos.

“Toda a gente gosta do Mota e Costa”, foi o refrão que alguém sugeriu para a derradeira cantiga, antes das despedidas, passava já das dez da noite.

Há uns largos anos, recebo uma chamada dele a convidar-me para um almoço na sua casa de campo, no Marco de Canaveses, junto ao rio Odres. Sabia das suas habilidades culinárias pelo que não estranhei quando me disse ser ele o cozinheiro, mas que teria à minha espera uma surpresa muito agradável, para além da refeição….

Nessa ocasião, realizava eu  programa “Região Demarcada” transmitido aos domingos de manhã, emissão que Ilídio Inácio apreciava, o que me agradava saber, dada a excelência deste comunicador. Mais me disse para levar comigo um dos habituais colaboradores do programa, o Pintor Fernando Gaspar que possuía também bons conhecimentos de enologia.

Ali chegados, qual era a surpresa? Mota e Costa, que nos é apontado, no meio do jardim, com entusiasmo pelo convidante. Com tal amigo no epicentro do convívio a tarde decorreu animada, onde cada um dos presentes falou mais dos bons momentos vividos com Mota e Costa do que propriamente ele, que ainda assim, revelou alguns dos seus projetos “a médio prazo”. Um convívio inesquecível, que cimentou amizades e que trouxe melodias soltas pelo exímio acordeonista / surpresa do encontro, ao som das quais todos cantámos, inclusivé à desgarrada, mas aí, ninguém batia o bom do nosso “Artista de Peso”. 

“Toda a gente gosta do Mota e Costa”, foi o refrão que alguém sugeriu para a derradeira cantiga, antes das despedidas, passava já das dez da noite.

Porque, entretanto, foram chegando as reformas, os contactos tornaram-se mais escassos, mas as memórias, essas, perduram. Pois, fiquei muito triste com a notícia.


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