O bombo a Património Imaterial da Humanidade

Acabou de realizar-se, no Seixal, o IV Congresso do Bombo, depois de, há um ano, ter tido lugar em Amarante a terceira edição, sendo que estas foram as mais recentes etapas dum processo que, espera-se, há de levar à classificação, pela UNESCO, do bombo e das suas práticas como Património Imaterial da Humanidade. Rui Júnior, criador do grupo Tocá Rufar, escreve, nesta edição de AM, sobre o objetivo traçado.

Desde a sua génese, o projecto Tocá Rufar afirma-se como um projecto de formação artística para a promoção e divulgação da prática das percussões, e que se distingue ao colocar a cultura portuguesa, o conhecimento e a arte, em posição privilegiada como fonte de valor, de desenvolvimento e de contemporaneidade e por torná-los acessíveis a todos os indivíduos.

No seguimento dos dois primeiros Congressos do Bombo realizados, respectivamente em Lisboa, em 2015, e no Fundão, em 2016, Amarante pareceu-nos, desde o início e inequivocamente, a anfitriã, por excelência, da 3ª edição destes certames.

Este grande encontro contou com o apoio activo dos grupos de bombos locais que aderiram em grande número, manifestando, assim, o seu total empenho na valorização desta prática, dos seus grupos e dos seus projectos. A eles e elas, tocadores e projectos, foi dada a palavra e dela usaram para testemunhar esta paixão.

Tivemos ocasião – no documentário que realizamos em Julho de 2017 e apresentamos neste congresso, sobre os grupos de bombos e suas práticas nos concelhos de Amarante, Baião e Marco de Canavezes – de estar, conviver, aprender e recolher e registar mais informação que nos permite, actualmente, entender melhor alguns aspectos associados.  

Porque tocar os bombos e as caixas é muito mais do que uma arte musical. É uma prática social que envolve a comunidade e as comunidades. Esta expressão popular compreende, para além de uma linguagem musical única, toda uma identidade cultural que a origina e apronta.

Este é, a nosso ver, um património que devemos estudar, preservar e conseguir passar às futuras gerações. 

Os procedimentos para a Inscrição da Matriz do Património Cultural Imaterial (PCI) da Construção e Práticas Tradicionais Colectivas dos Bombos em Portugal estão em curso e contam com uma comissão científica constituída pela Professora Catedrática de Etnomusicologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Presidente do Instituto de Etnomusicologia e do Conselho Internacional de Música Tradicional, Profª Dra. Salwa El-Shawan Castelo-Branco, a Doutorada em Etnomusicologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e directora do curso de Mestrado em Música na Universidade de Aveiro, Profª Dra. Maria do Rosário Pestana, o Prof. Dr. Domingos Morais o qual, para além de autor diversos livros e artigos sobre educação artística, etnomusicologia e desenvolvimento curricular fez parte, com Michel Giacometti, da Comissão Instaladora do Museu da Música Regional Portuguesa e, a coordenar esta equipa, doutorado em Música pela Universidade de Aveiro, o Prof. Dr. Jorge Castro Ribeiro, Por fim, eu próprio, Rui Júnior, músico e tocador de bombo.

Pretendemos, com o auxílio de investigadores afectos ao projecto, realizar uma inventariação, o mais completa e actual possível, sobre esta prática a nível nacional, uma vez que a mesma se encontra enraizada em várias zonas do país, com maior predominância na Beira Interior e no Entre Douro e Minho. Nos últimos 20 anos, como consequência do aparecimento do projecto Tocá Rufar, esta prática expandiu-se pelo restante território nacional e Regiões Autónomas, resultando daí dezenas de novos grupos de percussão inspirados nestes costumes ancestrais, matéria que será desenvolvida sob um ângulo distinto. 

Achamos, ainda, que devido à imensa beleza, graciosidade, sensualidade e virtuosismo, o reconhecimento desta prática deve ir mais longe. Esta arte foi, e continua a ser, parte integrante da vida dos portugueses e desempenha um papel fundamental na transmissão cultural e na evolução das nossas comunidade e dos indivíduos que as integram.

Quando fizermos uma cápsula do tempo para ser aberta daqui a muitos séculos, este é, sem a menor dúvida, um dos testemunhos mais importantes a preservar. Esta expressão espelha o nosso povo e a nossa Cultura, musical e não só. Em todas as civilizações, o tambor é recorrente e quase imutável. Nesta circunstância histórica, os nossos tambores conservam, como referi anteriormente, uma linguagem muito própria que distinguimos das demais. Daí o nosso desejo de integrar a Construção e Práticas Tradicionais Colectivas dos Bombos em Portugal na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade (UNESCO – Convenção 2003).

Mas dificilmente conseguiremos tão ambicioso propósito sem a participação de todos. Estabelecendo relações de proximidade, integrando e envolvendo as partes interessadas nos processos através da participação, este projecto pretende acrescentar valor, fortalecer, valorizar e dinamizar os locais e contextos em que esta prática se realiza. Por mais que estudemos e nos debrucemos sobre este costume, aos profundos mistérios dificilmente chegaremos a não ser com a participação e testemunho de todos os agentes envolvidos: os grupos e seus tocadores e tocadoras, a população que os segue e apoia, por vezes dançando e cantando, os párocos – porque, tradicionalmente e na maior parte das ocasiões, as romarias com bombos estavam associadas a cerimónias religiosas e a louvores a santos e padroeiros – e todos os que conservam remotas memórias.

O Património Cultural Imaterial, conforme definido pela UNESCO, manifesta-se entre outros domínios nas tradições e expressões orais, nas práticas sociais, nos rituais e eventos festivos, nos conhecimentos e práticas relacionados quer com a natureza quer com o universo. Apresenta-se assim como um vasto conjunto de manifestações e de expressões de carácter intangível e que têm a memória como meio de preservação e a oralidade como meio de transmissão. Surgem, então, englobados no seio desta imaterialidade as lendas, os mitos, os contos populares, como igualmente os rituais e as festas, bem como todo o universo de saberes e vivências da cosmogonia popular.

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