Progresso e retrocesso: uma história da Linha do Tâmega

O primeiro comboio chegou a Amarante um pouco antes do meio-dia, no dia 21 de março de 1909, ao som de três bandas musicais, foguetes e muitos “vivas!”.

O troço inicial do então Caminho de Ferro do Valle do Tâmega (mais tarde Linha do Tâmega), resultava dum plano delineado em finais do séc. XIX que visava a implementação duma rede ferroviária entre o Douro e a fronteira espanhola, por Amarante, Terras de Basto e Chaves.

A ferrovia, de bitola estreita, arrancava na Livração (Marco de Canaveses) e teria no terminal de Cavez (Cabaceiras de Basto) ligação à Linha de Guimarães. Por um lado, a interface permitia o acesso ao sistema urbano do Porto e por outro, via Linha do Corgo, a Chaves e à fronteira com Espanha.

Contudo, concluídos os primeiros 13km, a construção do restante da Linha do Tâmega iria ser posta à prova e acabaria por ficar aquém do originalmente planeado.

Logo no ano seguinte à inauguração, a crise política que culminaria com a queda da monarquia, em 1910, privou o projeto dos fundos necessários para o arranque das obras.

Só em 1916 se reinicia a construção, mas muito lentamente, sendo precisos dez anos para chegar a Chapa, ainda em Amarante (1926). Em março de 1932, conclui-se a ligação a Celorico de Basto e, finalmente, o comboio chega a Arco de Baúlhe em janeiro de 1949. Por esta altura, as velhas locomotivas são substituídas, no serviço regular, pela automotora a gasolina de fabrico nacional.

Cavez, a uns meros 5km (em linha reta) de Arco de Baúlhe, nunca chegou a receber comboios desta linha ou da de Guimarães (que se ficaria por Fafe). A ligação à fronteira e ao sistema de comboios urbanos do Porto nunca se concretizaria.

Locomotiva a vapor no terminal da Linha do Tâmega em Arco de Baúlhe

O “princípio do fim”

Em 1968, procurando justificar um empréstimo do Banco Mundial com vistas à modernização de rede ferroviária, a C.P. declarava ter encomendado uma série de estudos sobre vias ferroviárias consideradas “deficitárias”.

Num artigo da revista “Gazeta dos Caminhos de Ferro” (Nº1928 de 16 de agosto de 1968), a empresa fundamentava a necessidade de aferir a rentabilidade de vários ramais, entre eles o do Tâmega. E encerrar era uma opção em cima da mesa:

“Fala-se, mesmo, em suprimir alguns desses ramais, o que representaria um grave prejuízo para a economia daquelas regiões nortenhas”, lê-se no artigo não assinado.

Usando a Linha do Corgo como exemplo, a empresa admitia que modernizar estes ramais de via estreita estava fora de questão: o traçado sinuoso e acidentado dos vales não permitia maior velocidade e eletrificar seria praticamente impossível sem as profundas (e dispendiosas) alterações à infraestrutura. Já nesta mesma altura surge a ideia “do transporte rodoviário entre estações de caminho de ferro e localidades” como uma alternativa. A Linha do Tâmega e das suas congéneres estavam condenadas ao obsoletismo.

Nas décadas seguintes, a C.P. limitou-se a manter as linhas transitáveis, mas os prejuízos amontoavam-se.

No ano de 1988 é “o princípio do fim”: alegando “extrema exiguidade da procura, tráfego reduzido, e sobredimensionamento da oferta”, a C.P. reduz a circulação entre Amarante e Arco de Baúlhe de cinco para três comboios.

Justificava, então, que 70% do tráfego se realizava entre Livração e Amarante e que, em 1987, cada comboio Livração – Arco de Baúlhe produzia, em média, uma “despesa de 38 contos e três de receita” (590 e 46 euros atuais, respetivamente e ajustados à inflação).

Com o fim praticamente anunciado daquele troço, várias câmaras municipais exigiam ao então Governo pela construção de uma alternativa rodoviária (a variante à N210) entre Amarante e Arco de Baúlhe. Por outro lado, a C.P. também era pressionada:

“…não é de aceitar os a supressão dos horários enquanto os termos do protocolo assinado pelas Câmaras servidas pela linha do Tâmega não for(em) concretizados”, afirmava o então presidente da Câmara Municipal de Amarante, Macedo Teixeira.

Finalmente, e apesar de, dias antes, ter dado sinais que tal não estava nos seus planos, a C.P. anunciou o encerramento da Linha do Tâmega, entre Amarante e Arco de Baúlhe, a partir de 1 de janeiro de 1990.

Durante a seguinte década ainda houve alguma esperança depositada em iniciativas, tanto da C.P. como de privados, que visavam a exploração dos troços encerrados nas redes do Douro e do Vouga. Em Amarante, o investidor privado Graham Garnel procurava vender a sua ideia de fazer circular comboios a vapor na Linha do Tâmega, para fins turísticos.

Contudo, tanto os planos do amigo do então treinador do F.C.P. Bobby Robson, como da própria CP nunca saíram do papel. Entretanto, a infraestrutura do troço encerrado apodrecia a céu aberto e a ligação entre Amarante e Livração esvaziava-se de serviços e passageiros.

Em março de 1999, a C.P. encerra o guichet da estação de Amarante, onde se deixa de vender bilhetes. Exatamente 90 anos depois dos “vivas!”, foguetes e três bandas musicais terem festejado a entrada numa suposta era de progresso, a venerada estação da cidade era, para todos os fins e efeitos, despromovida a apeadeiro.

Contudo, o golpe de misericórdia ainda demoraria uma década. E quando veio, o timing da decisão roçou no cinismo: a 25 de março de 2009, meros dias após as celebrações do centenário da chegada do comboio a Amarante, a Linha do Tâmega era encerrada, por “razões de segurança”.

Celebração dos 100 anos do comboio em Amarante, março 2009.

Esperanças ainda houve do seu regresso. Em cerimónia pública, por volta de 2010, novo protocolo é assinado para se proceder à primeira fase de uma putativa remodelação da via.

Os velhos carris foram levantados, o canal alisado e preparado para a instalação de novo rodado. Entretanto, as populações ao longo da via reclamam, e recebem, serviço rodoviário promovido pela C.P.

Mas, em 2012, a empresa atira a toalha ao chão: o serviço rodoviário é cancelado, as passagens de nível e pontes são bloqueadas e o projeto de modernização “engavetado”. O que restava da Linha do Tâmega transformou-se no que é hoje: uma ruína a céu aberto, onde a Natureza reclama, ano após ano, o seu espaço.

CONTINUAR A LER

Deixe um Comentário

Pode Também Gostar