Anabela Borges: “Quero muito escrever um romance”

Anabela Borges com Rafaela Leite, na entrega do Premio Ilídio Sardoeira (edição 2019).

Venceu, em 2019, o Prémio de Literatura Infantojuvenil Ilídio Sardoeira, com um conto intitulado “Os dias pequenos”, confessando que a obra tem muito de autobiográfico. AMARANTE MAGAZINE mostrou-a na sua edição (em papel) 37 – inverno 2020 -, republicando, agora, o texto inserido na nossa edição impressa.

Quando se lhe pergunta de onde é, Anabela Borges responde que é “das fábricas”.  Quem a ouve é remetido para um lugar vago, indefinido, porém real. E que é cenário de muitas memórias e reminiscências da sua infância. As fábricas, afinal, são os pavilhões da primeira linha das indústrias Tabopan, no meio dos quais ela nasceu e cresceu e onde seu pai e um irmão trabalharam. E que viu prosperarem, garantindo salário a mais de mil trabalhadores e subsistência a outras tantas famílias, numa altura em que a emigração era um destino de muitos e um caminho de retorno incerto.

Mas, incrédula, tinha Anabela chegado à adolescência, viu o gigante tremer e assistiu ao lento declínio e desmoronar da Tabopan que, no pico do seu fulgor, chegou a ser a maior indústria da Península Ibérica. O pai e o irmão ficaram sem trabalho e Anabela terá, então, experimentado um sentimento de ambivalência, não suficientemente forte, todavia, para lhe fazer sentir que (já) não era das fábricas.

Pelo contrário. Provavelmente “atingida” pelo espírito de lugar, que fora a maior das convicções de Eulália Macedo e que Pascoaes já havia perfilhado (quando constatou que “sem esta terra funda e fundo rio, eu não era o que sou”), Anabela cimentou ali o seu mundo, vivido entre o Rio Largo e a Linha do Tâmega, acreditando, ainda hoje (ou sobretudo hoje), que é quem é porque nasceu ali.

Das recordações que tem de ser “das fábricas” Anabela Borges escreveu, em 2011, o seu primeiro livro, que dedicou aos pais. O texto retrata as vivências da sua infância, o movimento associado ao fervilhar e declínio da Tabopan e chama-se “A Tundra”. Concorreu com ele a um concurso literário da “Alfarroba Editora”, que o premiou.

Se não fosse “das fábricas”, Anabela não teria também vivido lado a lado com a Linha do Tâmega, a que ela chegava descendo uma ravina, e por onde circularam comboios e automotoras, ora subindo para Arco de Baúlhe, ora descendo a caminho da Livração. A Linha que ela atravessava e ao longo da qual passeava com frequência, haveria de ser cenário para um acontecimento que trouxe muitos anos na cabeça e sobre o qual decidiu escrever, recentemente, quando soube de um concurso que se propunha premiar estórias do fantástico, do oculto, do impossível.

Fez como que um exorcismo de um episódio que a perturbava e ganhou o concurso. Esse episódio conta-se assim: teria Anabela 16 anos, passeava, com uma amiga, pela Linha, quando um homem vestido de preto e de chapéu na cabeça, lhes perguntou a que horas passava o próximo comboio. Deram-lhe a informação, indicando-lhe que a estação ficava um pouco abaixo. O senhor agradeceu e elas seguiram seu caminho.

De regresso do passeio, Anabela e a amiga depararam-se com um aglomerado de pessoas exatamente no local onde se tinham cruzado com o homem vestido de preto. Aproximaram-se e verificaram que o sujeito jazia esmagado debaixo do comboio. O conto que escreveu chama-se “A Pergunta” e faz parte da coletânea “Ocultos Buracos”.

“Os dias pequenos” tem muito de autobiográfico

Anabela Borges tem quatro livros publicados, mas guarda muitas estórias em cadernos, adormecidas, e que esperam a sua vez de serem contadas. Como aquela com que ganhou o 1º Prémio de Literatura Infantojuvenil Ilídio Sardoeira, “Os dias pequenos”, e que é o seu segundo título na área da literatura para crianças e jovens. O primeiro foi “As famílias dos animais”.

A AMARANTE MAGAZINE (AM), Anabela confessou que “Os dias pequenos” tem muito de autobiográfico, sobretudo no seu início. “Reflete a memória que tenho de ir com a minha mãe lavar a roupa às Golas, ao rio Largo, que passava próximo da casa onde morávamos. Não tínhamos tanque e, por isso, a minha mãe lavava a roupa no rio. E eu desfrutava daqueles momentos, que eram apenas meus e dela. E que eram mágicos”.

Anabela tem 49 anos e duas filhas. Lê muito e tem como autores preferidos Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa, Agustina, Saramago e Pascoaes. Dos contemporâneos, salienta Válter Hugo Mãe. A AM disse que escreve porque gosta, porque lhe dá prazer. Perentória, afirma que não tem qualquer ambição enquanto escritora, para além de querer muito escrever um romance.

“Já sei sobre o que quero escrever, mas preciso de tempo para me organizar”, concluíu.

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