Diana Queirós: “o som é a alma de um filme”

Designer de Som, Diana Queirós, 29 anos, vive há oito na Dinamarca, para onde foi à procura de formação especializada em som para cinema. O filme “Free Men”, no qual dirigiu o som, foi recentemente nomeado para o Festival de Cinema de Cannes.

Nasceu  em Cepelos, fez o ensino secundário em Amarante e licenciou-se em Artes Plásticas e Multimédia na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, onde descobriu a “magia” do som.

A procura por formação avançada na área, levou-a a deixar a sua zona de conforto, em Portugal, e a partir para a Dinamarca, onde se tornou Designer de Som. Naquele país escandinavo, trabalhou e estudou, incluindo o seu percurso académico um Mestrado em som para cinema na Escola Nacional de Cinema da Dinamarca (escola onde, a cada dois anos, são apenas admitidos seis estudantes), concluído em junho.

Diana Queirós, criadora e responsável pelo som do filme “Free Men”, nomeado na categoria Cinéfondation do Festival de Cinema de Cannes (ver notícias aqui e aqui), considerou a nomeação do filme como “a cereja no topo do bolo” que simbolizava o seu percurso de entrega e dedicação ao som para cinema.

Infelizmente, não ganhámos. Mas foi uma boa experiência para toda a equipa”, disse Diana a AMARANTE MAGAZINE, já de regresso a Copenhaga. 

Sim. E chegar a Cannes, aos 29 anos, enquanto criadora e diretora do som de um filme é, só por si, uma grande vitória. E, com uma longa carreira pela frente, é certo que muitas outras se seguirão. Falámos com Diana Queirós.

Diana, em estúdio, trabalhando o som.

AM: De Cannes, a Diana não trouxe uma “Palma de Ouro”, mas o facto de ter sido nomeada para um dos mais importantes Festivais de Cinema do mundo é, com certeza, muito importante. Qual foi a sua reação quando soube que tinha sido nomeada? E os dias que lá passou, até à decisão do Júri, como foram?
DQ: Sim, o Festival de Cannes é um dos mais importantes festivais de cinema do mundo, que tem em competição inúmeros filmes com temáticas fortes e atuais. Por isso, não nos focámos no prémio mas em viver a experiência em Cannes e estabelecer novos contactos com outros cineastas do mundo inteiro. Ser nomeada e ter a oportunidade de estar presente a representar o nosso trabalho já é uma grande vitória. Quando a equipa recebeu o e-mail a comunicar a seleção para o festival de Cannes, ficámos muito felizes, não estávamos à espera e não queríamos acreditar. Foi um reconhecimento que significa que o nosso trabalho é valorizado. O mais difícil, foi manter o segredo durante três meses.

A experiência de estar no Festival foi muito positiva, apesar do coronavírus e das restrições inerentes. Tivemos a oportunidade de assistir a outros filmes nas diferentes competições do festival. Em Cannes, o ambiente é multicultural e inspirador.

“(…) O que o som realmente faz é melhorar a forma como percecionamos a imagem e direcionar a atenção do espectador para os detalhes das imagens. A imagem e o som ajudam-se mutuamente a contar uma história. Considero que o som é 50% de um filme. O som é a alma de um filme. E esse fascínio levou-me a procurar formação avançada na área do som para cinema”.

Fale-nos da sua opção pelo som. Depois de concluir a licenciatura em Artes Plásticas e Multimédia, a Diana poderia ter decido, por exemplo, especializar-se em imagem… Porquê o som? A partir de quando é que a Diana passou a querer fazer som para cinema?
Durante a minha licenciatura em Artes Plásticas, desenvolvi um interesse muito grande pelo som e todos os meus projectos acabaram por estar relacionados com o som. Apesar de ser um conceito bastante abstrato, o som é, para mim, a parte mais visceral da acção, porque alcança o nosso corpo antes de chegar à nossa mente. As Belas-artes foram um período de muita inspiração onde eu me apercebi de que era possível trabalhar em áreas que, até então, não imaginava conseguir. Trabalhar em som para cinema foi uma delas. Claro que no fundo sabia que havia alguém que fazia o som dos filmes que via, mas até chegar à conclusão de que sim, que era possível ser eu também a fazê-lo, foi um abrir de horizontes.

Penso no som como um aspecto do cinema que pode expressar emoções, ambientes e subjetividade de uma forma que a imagem não consegue. De um modo geral, o som não é apreciado da mesma forma que o lado visual. Tanto é que o público até se esquece que o som também é criado do zero. O que o som realmente faz é melhorar a forma como percecionamos a imagem e direcionar a atenção do espectador para os detalhes das imagens. A imagem e o som ajudam-se mutuamente a contar uma história. Considero que o som é 50% de um filme. O som é a alma de um filme. E esse fascínio, levou-me a procurar formação avançada na área do som para cinema.

Quais foram as razões que a levaram a escolher a Dinamarca para prosseguir os seus estudos? Descreva-nos um pouco do seu percurso académico no país e fale-nos da qualidade do ensino aí ministrado.
Apesar de ser, no seu tamanho, um país mais pequeno que Portugal, a Dinamarca prioriza a cultura e as artes. O mesmo acontece com a educação e a formação. As duas devem ser acessíveis a toda a gente e, por esse facto, não existem propinas. Aqui, acredita-se que todas as pessoas têm o direito a ter uma formação numa área que gostem e que essa formação resultará numa contribuição para a sociedade. Depois da minha licenciatura nas Belas-Artes do Porto, em 2013, e do trabalho desenvolvido no som, senti que precisava de formação avançada em edição de som e formação em som, especificamente para cinema. Procurei várias universidades e academias no norte da Europa e, como já conhecia o cinema dinamarquês, a escolha não foi difícil.
Tive a sorte de, com o meu trabalho, conseguir entrar nas formações que queria. Entrar na Escola Nacional de Cinema foi muito importante para mim, pois é a escola onde os maiores nomes do cinema dinamarquês se formaram e onde a competição para entrar é muita. Existem seis departamentos (realização, produção, argumento, edição, fotografia e som) e cada departamento só recebe seis alunos a cada dois anos. Ser selecionada no meio de tantos candidatos foi, sem dúvida, um momento muito feliz. 


O que faz, em concreto, um/a designer de som?
Um designer de som cria todo o conceito sonoro de um filme. Define quais são as características do universo do filme, qual o som que caracteriza as personagens, o espaço, o sentimento subjacente, qual a banda sonora mais indicada para o filme, como é que a música e o som se devem complementar. Através do foley (uma técnica que envolve a criação e recriação de efeitos sonoros do dia-a-dia para filmes e televisão), conseguimos criar detalhes em relação às personagens, retratar o seu estado de espírito, se estão chateadas, felizes, inquietas, se estão assustadas ou entusiasmadas. Um designer de som faz o espectador acreditar no universo do filme que está a ver e torná-lo autêntico. Existem, por exemplo, características sonoras que o ser humano identifica como perigo e/ou seguras, sons alarmantes… e um designer de som usa essas características para, de certa forma, “manipular” o que se sente ao ver um filme.

“Tenho a sorte de ter uma família que me apoia e que entende o porquê de eu viver fora de Portugal. Tento ir o máximo possível de vezes a Amarante. Nos últimos anos, por estar a trabalhar e a estudar ao mesmo tempo, consegui ir duas vezes por ano, às vezes um bocadinho mais. As visitas da minha família a Copenhaga ajudam a diminuir a saudade e, agora, espero conseguir ir a Amarante mais regularmente”.

Com participação em vários projetos e uma filmografia relevante; com a conclusão do seu Mestrado na Escola Nacional de Cinema da Dinamarca e a nomeação para Cannes, a sua carreira tenderá a dar um salto, imaginamos. O que é que a Diana espera dos próximos anos? Fazer som para cinema em Portugal está nos seus planos?
Neste momento espero trabalhar em mais longas-metragens em que o som esteja a meu cargo e onde eu possa ter a liberdade de expressar diferentes emoções e proporcionar uma boa experiência ao espectador no cinema. Interesso-me, maioritariamente, por filmes que tenham valor em relação à sociedade em que vivemos e que possam incentivar debates, trocas de ideias e que nos dêem a oportunidade de sonhar e refletir sobre o mundo, a filosofia e a nossa condição humana.

Sinto que, neste momento, a minha rede de contactos está principalmente na Dinamarca, mas trabalhar no cinema português faz parte dos meus planos.

Como é que é estar há oito anos longe da família? Vem quantas vezes por ano a Amarante? 
Estar tanto tempo longe da minha família é o mais custoso para quem partiu. E torna-se um equilíbrio difícil, porque entre carreira e/ou família não há escolha possível. Uma não é mais importante do que a outra. Acredito que para uma pessoa ser uma boa filha, uma boa irmã, amiga, etc., terá também de se sentir feliz e realizada. Tenho a sorte de ter uma família que me apoia e que entende o porquê de eu viver fora de Portugal. Tento ir o máximo possível de vezes a Amarante. Nos últimos anos, por estar a trabalhar e a estudar ao mesmo tempo, consegui ir duas vezes por ano, às vezes um bocadinho mais. As visitas da minha família a Copenhaga ajudam a diminuir a saudade e, agora, espero conseguir ir a Amarante mais regularmente.

Como é que foi a sua adaptação à Dinamarca? Foi fácil a sua integração social?
A adaptação em si foi relativamente fácil, o mais difícil foi aprender a língua. O dinamarquês tem uma estrutura gramatical completamente diferente da do português ou do inglês. 

Os dinamarqueses são, por norma, descritos como frios mas a minha perspectiva é outra. Acho que eles respeitam muito o espaço individual de cada um, e a partir do momento em que mostramos abertura, temos, então, uma porta aberta para a sua cultura. 

Para finalizar: diga-nos o nome de alguns filmes que são, para a Diana, uma referência.
Existem tantos filmes em que o som é uma referência para mim! Considero o meu gosto cinematográfico muito eclético. Géneros ou estilos diferentes têm elementos diferentes que inspiram meu trabalho. Se tiver que citar algumas das minhas referências sonoras mais importantes, apontarei estes filmes em específico:

The Conversation (Francis Ford Coppola, 1974); Taxi Driver (Martin Scorsese, 1976); Stalker (Andrei Tarkovsky, 1979); Wings of Desire (Wim Wenders, 1987); Lost; Highway (David Lynch, 1997); O Castelo Andante (Hayao Miyazaki, 2004); No Country for Old Men (Joel & Ethan Coen, 2007); Drive (Nicolas Winding Refn, 2011); Tabu (Miguel Gomes, 2012); You Were Never Really Here (Lynne Ramsay, 2017).

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