Mariana Basto: estilista inova com “Mulher 2040”, inspirada em Agustina Bessa Luís

Mariana Bastos (Foto de Ricardo Couto)

“Vamos pôr as nossas máscaras e voltar para o nosso lugar. Elas escondem que somos iguais aos homens e que temos direito ao reino deles. Mas como os iguais não se podem amar, temos que usar estas máscaras de ferro toda a vida”, escreveu Agustina.
“A escritora foi uma mulher que viveu em 2040, muito à frente do seu tempo”, considera Mariana Basto que criou uma coleção de moda inspirada no livro da escritora “Três Mulheres com Máscaras de Ferro”.

MARIANA BASTO é empresária na área do design de interiores. Tem 41 anos e é natural de Freixo de Baixo, em Amarante, onde cresceu no seio de uma família intimamente ligada à costura e aos bordados tradicionais daquele território.

No final de 2020, lançou a sua primeira coleção de moda feminina, caracterizada pelo uso de tecidos normalmente associados à decoração de interiores e ilustrados pela artista Joana Antunes. A inspiração para as decorações das peças, conta, encontrou-a no livro “Três Mulheres com Máscara de Ferro”, da autoria de Agustina Bessa-Luís.

“Costumo dizer que ela poderia viver em 2040, pois as suas ideias eram muito à frente do seu tempo. Por eu ser mulher, e também por testemunhar algumas situações de outras mulheres, queria que fosse algo desta autora, para ilustrar estas peças”, afirma.

Loja online, no início

Para perceber o seu caminho até este ponto, Mariana Basto explica que começou em 2014, com a abertura de uma loja online, a MBDecor, para comercializar os seus serviços de design de interiores. No ano seguinte, lança a linha própria de produtos, sempre com uma presença digital (loja online), que também se estendeu às redes sociais.

“Continuo a acreditar que o digital ajuda imenso, mas, a certa altura, achei que um espaço físico não só serviria para dar mais flexibilidade no contato com clientes, como também para dar um pouco mais de credibilidade ao projeto”, recorda. Por outro lado, também procurava um espaço que lhe permitisse ter, para além da loja em si, um local para realizar ações de formação. 

No arranque das formações, em 2018, numa loja de dois pisos no Queimado, a empresária começou por dar formação em costura, vitrinismo e modelagem, no piso superior. Em 2019, o projeto de formação alargou-se, numa parceria com a Associação Empresarial de Vila Meã, em que Mariana continuou a dar formação na sua área, inicialmente a desempregados e seguidamente, também, a profissionais ativos. 

Devido à pandemia da COVID 19 e às restrições impostas, as formações passaram a ser realizadas, exclusivamente, de forma online. 

A partir do final de abril de 2021, deu-se início a uma formação online, na área têxtil, contudo já com autorização para ser dinamizada presencialmente, juntamente com outras formações. “As turmas dos desempregados são sempre comigo, porque também gosto de dar uma ajuda e de até de referenciar algumas situações”, adianta. 

Divorciada, Mariana diz ter sentido na pele algum conservadorismo que persiste na sociedade local (Foto de Ricardo Couto).

Explica que é particularmente sensível à situação de mulheres recentemente divorciadas, sublinhando que ela própria, mãe dedois filhos, divorciada há cerca de oito anos, sentiu “na pele” algum do conservadorismo que ainda persiste na sociedade local.

“Custou-me a forma como a sociedade de Amarante respondeu (à situação de divorciada), os comentários desagradáveis, por exemplo, o que não acontece noutras cidades onde dou formação”, frisa, sublinhando que hoje em dia, aquele tipo de situação já não lhe causa confusão.

Contudo, conta que muitas das mulheres divorciadas ficam em situação financeira de grande carência, mesmo “gravíssima” em alguns casos.

“Algumas ficam sem saber o que fazer e/ou com depressão. Outras não conseguem reagir. O que precisam é de um ´empurrãozinho` para encaixarem de novo na vida”, acrescenta.

Relativamente às formações, adianta, ainda, que tem guardado numa gaveta um projeto de ensino profissional em Amarante nomeadamente em artesanato, costura, design e modelagem, entre outros.

O projeto visa, designadamente, a formação profissional em áreas onde há grande procura de mão de obra qualificada, nomeadamente do têxtil e do calçado, nos concelhos vizinhos onde se encontram a trabalhar muitos amarantinos.

Em 2018 foi apresentado um plano de negócios com este conceito, à Investamarante, mas recebido com pouco entusiasmo, recorda. “Uma das razões invocadas foi que deviam ser os próprios empresários a fazer essa formação. Discordo, porque sei, por experiência em dar formação em empresas, que preferem contratar mão de obra qualificada”, recorda. E Adianta que o projeto “não está abandonado”, apenas aguarda pelo dia em que, sozinha ou com investidores, decida avançar com ele.

Projeto de moda: um encontro das duas Marianas

Em 2019, numa conversa durante uma reunião, foi-lhe colocado um desafio para fazer, também, algo na área da moda.“Perguntaram-me porque não fazer algo na área, já que dou muitas horas de formação em moda, modelagem e costura. Pensei no assunto e achei que tinham razão”, diz.

A primeira linha da coleção “Mulher 2040” foi lançada em 2020, em plena pandemia, com peças feitas em materiais normalmente associados à decoração de interiores, nomeadamente tecido de cortinados, reposteiros e estofos, e com técnicas manuais de alfaiataria tradicional.

“Fiz aqui a junção das duas Marianas: a Mariana designer de interiores, que estudou os tecidos de decoração para escolher os que melhor se adequavam à roupa, e a Mariana costureira, de há muitos anos atrás, antes de ter ido estudar, no Porto, vitrinismo e decoração”, anota.

Colaboração com Joana Antunes

A coleção de moda lançada em 2020 conta com pinturas da artista amarantina Joana Antunes, inspiradas em excertos das páginas 66, 67, 68 e 69 de “Três Mulheres com Máscara de Ferro”.

Durante uma conversa casual com um cliente de uma pizaria de Amarante, Mariana Basto comentou sobre o seu projeto de moda, indicando que procurava alguém que fizesse a reinterpretação do livro de Agustina Bessa-Luís.

“O nosso interlocutor, que aparentava estar bem por dentro da área da cultura, mostrou ali mesmo alguns dos trabalhos da Joana Antunes”, anota, indicando que entrou em contacto com ela e marcou uma primeira reunião.

“Houve uma sintonia muito grande, ficou logo a perceber o que eu pretendia”, explica, acrescentando que para as próximas peças da coleção, haverá sempre um apontamento de pintura ou de bordado.

“O conceito é para manter nas novas coleções, com inspiração nas obras de mulheres autoras. É como se tivesse ali um pequeno quadro”, conclui Mariana.

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