É, na atualidade, um dos mais conceituados e requisitados copilotos nacionais, distribuindo o seu talento pelos ralis e pelo todo-o-terreno. O seu currículo inclui provas em vários países da Europa e também no Brasil.
O automobilismo, e o desporto em geral, estão cheios de figuras subestimadas e talvez a maior delas seja a do copiloto, considera a Redbull, num texto publicado no seu site (https://www.redbull.com/pt-pt/rali-wrc-funcoes-copiloto).
De acordo com aquela marca, estando diretamente envolvidos em absolutamente todos os passos que compõem uma campanha vitoriosa num rali, “muitas vezes estes homens e mulheres são como que sombras dos pilotos”.
Para a Redbul, os copilotos são cruciais para o bom funcionamento de uma equipa campeã e as suas capacidades vão além de saber navegar, fazer e interpretar notas e traçados para cada uma das especiais.
E, continuando a citar a Redbull, “a habilidade primordial de um copiloto é mesmo saber navegar. Ser um Waze humano, no fundo. E aí entram alguns outros fatores, pois não basta simplesmente entender o que está nas notas, mas sim saber quando e como ditá-las O ritmo é fundamental: as instruções precisam de estar sincronizadas com a velocidade em que o piloto está a guiar, para que as curvas, os pontos de travagem e até eventuais obstáculos no caminho sejam ditados na hora certa para manter o pico de performance”.
E, no capítulo da navegação, é preciso ter uma habilidade básica de leitura e interpretação com o carro em movimento. Se ler um livro durante uma viagem de carro já não é das tarefas mais fáceis, então imagine-se fazê-lo com um bloco de notas em alta velocidade e em terrenos irregulares (…). Por isso, existe também uma grande necessidade de o copiloto estar sempre em forma, como qualquer outro atleta de alto rendimento. Palavra de Redbull.
O perfil de VALTER CARDOSO, amarantino de 40 anos, feitos em agosto passado, parece encaixar perfeitamente na descrição do quadro de competências traçado pela Redbull para os copilotos. Indiciam-no os constantes convites que recebe para navegar pilotos em provas e campeonatos de ralis ou de todo-o-terreno, a que ele acede conforme a sua disponibilidade e a natureza dos projetos em que lhe é proposto envolver-se.
Quando falou com AMARANTE MAGAZINE, Valter Cardoso estava a disputar o Campeonato Nacional de Ralis, na categoria de duas rodas motrizes, ao lado de Hugo Mesquita e João Barros; e os Campeonatos do Mundo e Nacional de Todo-o-Terreno, navegando Tiago Reis. Em análise, tinha uma proposta que lhe chegou do estrangeiro para integrar uma equipa que vai fazer o Dakar 2024.
Na sua carreira de navegador, Valter Cardoso conta 280 provas feitas, sendo expectável que, dentro de um ano, ou pouco mais, atinja as 300. Quando isso acontecer, dará uma prenda a si próprio, voltando a um lugar onde não foi feliz: aos Açores, onde, em 2012, se ficou pela classificativa inicial do rali do arquipélago, ao volante de um Pegeout 206, alugado.
“Quero provar a mim mesmo que o que aconteceu, então, foi um incidente”, disse a AMARARANTE MAGAZINE (AM). “Disputarei apenas o Rali dos Açores, embora goste muito de conduzir. Conseguir patrocínios para montar um projeto consistente é, hoje, muito difícil e a minha maior prioridade é a família e o seu bem-estar”, explicou.
Nessa prova, Valter quer guiar um carro competitivo, de duas rodas motrizes, escolha que tem a ver com o gozo na condução, mas, também, com questões financeiras. Se pudesse escolher, mesmo, optaria por um da categoria R5.
Copiloto forçado
Valter cresceu a ouvir falar de “corridas” e teve a sua primeira moto-quatro aos 13 anos, depois de ter experimentado o karting, no Kartódromo do Cabo do Mundo, em Leça da Palmeira. Em 2001, o pai ofereceu-lhe um Kartcross, com o objetivo de o “desviar” da moto-quatro, que considerava muito perigosa.
Com 18 anos, Valter Cardoso fez algumas provas não oficiais de kartcross e confessa que gostou. Porém, tendo entrado na Universidade, a competição ficou, por insistência do pai, em suspenso, acordando ambos que, concluído o curso de Engenharia Informática, aí sim, o Kartcross seria levado a sério.
Dito e feito. Entre 2007 e 2010, o nosso entrevistado fez o Campeonato Nacional de Kartcross, com “batismo” na pista da Costilha, em Lousada, tendo sido, em 2009, Vice-Campeão Nacional.
Ao kartcross seguiram-se duas participações no “Troféu Transit”, fazendo equipa com António Costa, conseguindo ser vice-campeões na segunda época.
Enquanto piloto, Valter Cardoso vai alimentando outro sonho: o de fazer o Dakar de moto-quatro, tendo já comprado uma com esse fim.
Por agora, vai distribuindo o seu talento pela navegação, classificando-se a si mesmo como “um copiloto competitivo, que gosta de andar na frente, o que, geralmente, consigo”, disse.
“Para se ser bom navegador, é preciso ser-se, ou ter sido, um bom piloto e eu acho que conduzo bem. Quando me foram dadas oportunidades para o demonstrar, consegui fazê-lo”, afirma o nosso entrevistado.
“Como navegador, consigo pôr-me no lugar do piloto e dar-lhe, exatamente, as indicações que ele precisa. Isto é, as instruções que eu gostaria de receber se fosse no lugar dele. Por outro lado, procuro transmitir aos pilotos que navego as aptidões que eles têm que desenvolver para ganharem provas”.
E continua: “Depois, há pormenores que são importantes. No meu caso, acho até que a emoção com que dito as notas influencia a condução e o desempenho dos’meus’ pilotos. E, se achar necessário, também aconselho. Por exemplo: ‘uma velocidade acima’…”
E como é que se ditam as notas? De acordo com Valter, é o piloto que define a linguagem e a simbologia associada às notas. A não ser em casos em que o piloto está a começar na atividade e prefere ser aconselhado sobre os códigos a usar. Seja como for, há sempre um trabalho de equipa e as decisões são tomadas por consenso, explica.
“No meu caso uso muito a simbologia da numeração, que pode ser comparada com o grau do volante para desfazer uma curva. Se imaginarmos um relógio, e a contagem dos minutos de cinco em cinco, tenho em conta a numeração para que aponta o centro do volante e, assim, a nota pode ser ‘direita cinco’, se o volante apontar para os cinco minutos; ‘direita quatro’ se apontar para os 10 minutos; ‘direita três’ se apontar para os 15 minutos, e assim por diante”, elucida.
A lógica subjacente é esta: em princípio, mas dependendo sempre da opção do piloto, com a nota cinco a curva pode ser feita em quinta velocidade, correspondendo o número da nota ao número de cada mudança. Adicionalmente, o copiloto, em função de eventuais obstáculos, dá também informações sobre como abordar as curvas com avisos como “corta” ou “não corta”.
Isto nos ralis, porque no todo-o-terreno não há notas. As equipas recebem o road book 20 minutos antes de cada prova, o qual contém figuras que remetem para os perigos que é suposto existirem nos troços: pedras, obstáculos, saltos, cruzamentos…
As provas e a vida profissional
Engenheiro Informático, com funções na administração pública, Valter Cardoso concilia a sua participação nas provas nacionais de ralis e no todo-o-terreno com a sua atividade profissional, “queimando” férias. Ao que disse a AM, em geral – e como a competição acontece ao fim de semana – precisa apenas das sextas-feiras para treinar. Para as provas no estrangeiro, usa o Estatuto de Alta Competição que lhe foi atribuído pela FIA. Quem “sofre” é a família que, em muitas ocasiões, se vê privada da sua presença, facto que ele tenta compensar com a qualidade dos momentos que lhe dedica.
De resto, o copiloto quer transmitir aos dois filhos o seu gosto pelos automóveis e pela competição motorizada, o que garante ter já conseguido com a Maria João, que, aos sete anos, mostra interesse e apetência pela área. Do Duarte, com apenas alguns meses, não lhe chegou (ainda) feedback, mas Valter acredita que será seu seguidor.
Sobre si, Valter Cardoso vê-se ligado ao desporto automóvel para toda a vida. Se não for ao volante ou a ditar notas, será como manager, como conselheiro, integrado numa qualquer equipa.
Até lá, acredita que tem ainda muitos anos pela frente como navegador. “Nos co-pilotos, a idade não pesa. Pode mesmo ter um efeito diferenciador, com o aumento da maturidade, da experiência e da ponderação”, conclui.