A bênção de ser a mulher mais ignorante de Portugal

Dei por mim a invejar o “homem mais ignorante da América”. O New York Times publicou a história de Erik Hagerman, um cidadão norte-americano, que, a seguir à vitória de Donald Trump, decidiu não saber mais notícias sobre a vida política dos EUA. Nem informação dos media, nem conversas quotidianas. Nada. Uma espécie de extensão da “bolha” de que nos fala Eli Pariser. E imaginei viver sem o incómodo de ser contrariada nos meus valores, ideologias, perspetivas sobre o mundo e sobre as pessoas. Viver sem o desgaste de lidar com a conversa de xenófobos, homofóbicos, misóginos, fanáticos religiosos, negacionistas do Holocausto ou defensores da criminalização do aborto. Por outras palavras: Paz.

Viver sem este contraditório é sedutor. Difícil nos dias de hoje. Quase impossível, se trabalhamos em instituições, em contacto com outras pessoas. Impensável, se tivermos profissões que dependem da internet e dos média sociais. Um luxo ao alcance de poucos, diria eu. Um absurdo não usufruir de toda a informação que corre pelas plataformas que enformam as nossas vidas, dirão outros. Informação por vezes sem qualidade e até falsa, diria eu. Não faltam mecanismos, ao alcance de todos nós, para aferir a qualidade e a veracidade da informação, diria um outro eu.

Para lá destas hesitações e incertezas, outra nuvem paira sobre este plano infalível para ser mais feliz: quem vamos ser, se vivermos sem ser contrariados? Com franqueza, fui fazendo um pouco isto ao longo dos anos e, recentemente, ainda mais: há discussões que fui deixando de ter – há mesmo assuntos que não debato – e agora até tenho algoritmos nas redes sociais a certificarem-se de que só vejo publicações que se enquadrem na minha forma de pensar. Melhor: naquilo que o tal algoritmo acha que é a minha forma de pensar. Tudo a contribuir para mais sossego. E até a tradicional forma de sermos contrariados – aquela discussão inconveniente que rebenta no meio dos eventos familiares (quem nunca passou por isto?), em que tudo deveria ser ameno – está em desuso, entre consultas aos ipad, ipod, iphone e ai, discutir pra quê…

Não sermos confrontados tem vantagens. É cansativo e desgastante ter de ouvir defender a pena de morte. É. Mas do que estamos a abdicar, quando nos refugiamos? Desde logo, perdemos a oportunidade de mudar de ideias, de conhecer livros novos, música nova e descobrir novas facetas (e boas) em pessoas que julgávamos já conhecer. Depois, reduz-se a criatividade. Mais ao longe, havemos de ficar mais intolerantes.

Desenganem-se: não vejo mal numa certa dose de intolerância (em certos temas e como resultado de um percurso de conhecimento) e acredito que nem todos os assuntos têm de ser objeto de discussão. Trata-se mais de encontrar pontos de equilíbrio. Desenganem-se outra vez: não vou terminar em bem, a dizer-vos que pontos são esses, porque também não sei. Também ando a tentar rebentar a “bolha”.

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