A escola, o novo normal e a arte do encontro

(Foto de Pavel Danilyuk, no Pexels)

“Até agora, durante estes dois anos, passamos a vida a adaptar-nos num ato de reação à pandemia. Agora que sobrevivemos é hora de abrandar e refletir o quanto teremos de novo pela frente e o que teremos de alterar no nosso normal (…)”.

“Ano novo vida nova”, assim acerta o povo. Eu lembro-me disso sempre que inicia um ano letivo, não só pela responsabilidade de encarregado de educação, mas também pelas memórias de anos seguidos a trabalhar no ensino. Por esta altura, recordo o prazer que dá em planificar o ano letivo, em programar atividades, em estabelecer metas para serem realmente alcançadas, em prever obstáculos e dificuldades e a forma de as superar, assim como avaliar a comunidade educativa e todo o contexto social envolvente, no sentido de potenciar os pontos fortes e fazer com que os meus alunos tirassem partido de tudo, sei que são atos comuns a todos os professores e educadores por esta altura.

Não obstante, como diz Vinicius de Moraes a “vida é a arte do encontro” e este ano o início do ano escolar é, realmente, um encontro especial. Cabe aos adultos, aos pais, aos diretores de escolas, aos professores, entre outros, ao poder local refletir sobre este encontro, sobre esta nova vida e projetá-la no futuro. 

Por mais que queiramos um normal para as nossas vidas, pois só assim é que as nossas mentes têm mais estabilidade e mantemos uma certa sanidade, o certo é que este normal será novo. Trata-se do início de uma vida nova e é urgente estimular, novamente, a arte do encontro não só entre nós, como entre as crianças que estiveram por casa, que não comunicaram e se refugiaram nos seus tablets ou telemóveis, que foram impedidas de se encontrarem e de se tocarem e, de forma criativa, apontarmos diferentes saídas possíveis desses mundos individuais para que descubram a alegria de um mundo comum que é a escola.

Até agora, durante estes dois anos, passamos a vida a adaptar-nos num ato de reação à pandemia. Agora que sobrevivemos é hora de abrandar e refletir o quanto teremos de novo pela frente e o que teremos de alterar no nosso normal, pois, como diz Pedro Alvito (2021), o futuro tem tudo para não ter normalidade, será algo sempre em construção e todos nós estaremos em plena evolução, portanto, temos de aproveitar o presente (algo que recebemos agora) para agir e aceitar esta continuidade espáciotemporal que temos vindo, incessantemente, a recusar. Para tal, teremos que:

– Aprender com o que nos aconteceu de forma individual, assim como, de forma coletiva e que esta aprendizagem se transforme em novos comportamentos nas escolas, pois se assim não for, “perdemos uma excelente oportunidade para desenvolver uma educação pautada por uma (nova) qualidade, que brota da equidade e da personalização, da igualdade de oportunidades e do cuidado. Voltar ao normal é andar para trás e virar a cara aos desafios que temos diante dos olhos (…) em educação, quando não se avança, recua-se.” (Azevedo, 2021)

– Agir e acreditar que a experiencia de enfrentarmos a pandemia tornou-nos melhores pessoas e que acabou por acrescentar valor ao modelo de sociedade em que vivíamos. Não obstante, como afirma António Sarmento (2021), é necessário (1) combater o individualismo, (2) passar a viver em comunidade e ter consciência de que precisamos uns dos outros. Todos nós apercebemo-nos, ao longo dos dois períodos de confinamento, que as comunidades que implementaram sistemas de interajuda conseguiram ultrapassar mais facilmente os obstáculos que as condições pandémicas nos impunham, além disso, como diz o autor, quando ajudamos alguém, há um mecanismo de recompensa interior que é ativado e que nos faz sentir melhor, assim a generosidade, o altruísmo e o trabalho para o bem comum protege-nos como sociedade. Por outro, como refere Helena Oliveira (2021), o futuro deve ser enfrentado com uma reforçada inteligência coletiva, uma capacidade que é criada quando as pessoas trabalham em conjunto conduzindo a melhores decisões e resultados para todos. Mas como aplicar tudo isto na escola?

É um facto, o novo normal está aí e temos de viver o presente, conscientes da sua companhia e planear o futuro, no entanto, é preciso reforçar os níveis de coesão social pois a resiliência de uma sociedade depende desses níveis de coesão e isto só se consegue pelo exemplo. Assim cabe aos pais, aos educadores, às escolas e toda a comunidade educativa e dar o exemplo. Não podemos tirar as crianças do seu mundo imaginário individual construído nestes últimos tempos nos seus tablet e telemóveis e encaixá-los, novamente, nas quatro paredes de uma sala de aula e num mundo imaginado por uma sociedade que, entretanto, foi perdendo alguma definição e que agora, todos os dias, procura encontrar-se neste novo contexto.

Então, porque não observar os alunos (crianças e jovens) e desafiá-los a construir esse mundo melhor? Não só, com os mais velhos, detentores da experiência do passado e do presente recente (pais e educadores) assim como com os mais novos com a vontade de sair, de agir e de serem diferentes, propor a abolição das paredes das salas de aula e, através de projetos em articulação com a comunidade, promover o “encontro” dos aprendentes com a natureza, com a arte, com as tradições com a sua comunidade e através de experiencias de aprendizagem em lugares com significado, construir relações enraizadas na sua terra, incentivar à auto-definição imersos no saber e ser das suas gentes. 

Um relatório da Phillanthropy U, da Fundação Conrad N. Hilton e da GSVlabs evidencia o imperativo de se trabalhar em colaboração e de forma criativa, com novos modelos de impacto, a fim de cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) até 2030 (Helena Oliveira, 2021), uma agenda para o bem-estar de todos. Emergem, portanto, novos estilos de vida mais colaborativos, detentores de um propósito e que sejam mais ajustados ao novo contexto, mas para tal, são solicitados à escola novos modelos de aprendizagem que preparem os futuros adultos, através de modelos mais humanos de contacto, mais emocionais de afetos, mais colaborativos com e entre diversos públicos, mais práticos e menos abstratos e imaginativos, pois os nossos alunos passaram dois anos a praticá-los em cada mundo individual e imaginário construído. 

Em suma, são necessários modelos que proporcionem a verdadeira arte de viver que estimulem e proporcionem os diversos e possíveis encontros com a natureza, com a comunidade e consigo mesmo.

Referências Bibliográficas
Alvito, P. (2021). O futuro é anormal, há que assumir. Retirado a 1 de outubro de 2021 de: https://www.ver.pt/o-futuro-e-anormal-ha-que-assumir/
Azevedo, J. (2021). Novo ano letivo: regressar ao normal? Retirado de https://setemargens.com/novo-ano-letivo-regressar-ao-normal/
Sarmento, A. (2021). Entre tantos – convidado António Sarmento. Consultado em: https://tvi24.iol.pt/videos/tvi24/entre-tantos-convidado-antonio-sarmento/6071c6f80cf277cf82c0ce96

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