“(…) Vivemos de facto numa época estranha, num paradoxo! Apesar de vivermos melhor, com mais liberdade, mais saúde, mais ofertas, o fim parece escuro. E ainda há tanto para dar. Há quem teime em não querer passar essa mensagem de desesperança. É preciso aproveitar os que emprestam à Humanidade mais humanismo”.
NASCEMOS! Carregados de um legado genético, logo iniciamos uma narrativa que não imaginamos como irá terminar. Tornamo-nos atores, construtores de uma identidade influenciada por pessoas, lugares, momentos prováveis e improváveis, cheios de voltas e reviravoltas. E o tempo, severo respeitador de uma ordem, de um antes e de um depois, leva-nos sem dó nem piedade até uma inevitabilidade: a velhice!
E ela surge aguda e precipitada. Vem acompanhada de um direito adquirido ao longo de uma vida de trabalho, a reforma!
E alguns perguntam: E agora, o que é que eu faço com o tempo? O que fazer quando o nosso amor já cá não estiver e nos levantarmos sozinhos todos os dias? O que fazer quando o tempo quiser roubar-me a identidade e me cobrir com o medo de envelhecer?
Engraçado, parece que se ganha mais tempo, num tempo que se vai tornando mais curto.
A lucidez deste momento permite questões para quem não tem grandes ilusões. Histórias de vida ascendentes parecem colapsar! No nosso filme não vislumbramos um final nada auspicioso.
Mas há ainda tempo! Há os que com um olhar cáustico sobre a realidade social, se sentem inconformados, pois têm ainda muito para dar.
Há poucos dias atrás, fiquei presa à televisão! É verdade, disse televisão!
Passava o filme O Estagiário, realizado por Nancy Meyers, tendo como protagonistas Robert de Niro e Anne Hathaway. Robert de Niro, veste o papel de Ben Whittaken, um septuagenário viúvo, reformado, que cansado do sedentarismo em que vivia, resolve participar num programa de estágios para idosos.
Candidata-se então à Abaut de Fit, uma startup de moda, que cria um estágio sénior de modo a sensibilizar a comunidade para o bem-estar na terceira idade.
Ben, assumindo um cavalheirismo raro, rapidamente conquista os colegas no que parece ser, inicialmente um choque de gerações.
E o que parecia ser um estágio improvável, dispensável, vai tornar-se numa necessidade, para ele, certamente, mas também para os que o rodeiam, que não prescindem da enorme generosidade, respeito e sabedoria que transmite.
Num mundo em que tudo é vivido a mil à hora, ele é o olhar que deteta fragilidades, é o colo para quem não tem tempo para se olhar. Vai revelando uma força extraordinária que nasce da delicadeza e sensatez da sua idade.
Alegra-nos e comove-nos. Excelente efeito terapêutico.
Vivemos de facto numa época estranha, num paradoxo! Apesar de vivermos melhor, com mais liberdade, mais saúde, mais ofertas, o fim parece escuro. E ainda há tanto para dar. Há quem teime em não querer passar essa mensagem de desesperança. É preciso aproveitar os que emprestam à Humanidade mais humanismo.
José, de oitenta e sete anos, perguntava aos netos como mexer no telemóvel que adquirira. Não era um telemóvel da última geração! Engraçado, até estes têm gerações!
Simples de mexer mas complexo para quem não é fanático da tecnologia. De pouco valeu a breve explicação dos seus netos, que usando de uma linguagem técnica não conseguiram descer ao nível exigido! Não se sentindo vencido, tira do bolso do seu casaco, um papel rigorosamente dobrado onde tinha desenhado o seu telemóvel e tinha anotado a funcionalidade de todas as teclas, em caso de necessidade.
Tinha-me esquecido de dizer que o José foi escriturário toda a sua vida e por isso habituado a uma exagerada organização, sendo até demasiado meticuloso.
Penso que se adivinha, do grupo que o rodeava soltou-se uma gargalha bem consolada!
Ele tinha acabado de dar uma enorme lição! O que fez durante tantos anos definiu-o naquele momento. Estava ali presente o seu método, a sua capacidade de organização e principalmente o alerta de que não tinha desistido! Apetece-me perguntar:
“E agora, quem abre estágio para este sénior?”