Os 100 anos da Professora Maria Constança

Fez 100 anos no passado dia 15 de Novembro. Chama-se Maria Constança e é a minha Mãe. Professora do Ensino Primário, como era designado, nessa altura, o 1º Ciclo do Ensino Básico, fez muito mais do que lhe era exigido, para dar a escolaridade elementar às crianças, no meio rural, primeiro, num tempo de miséria e privações, por um lapso de tempo, na cidade do Porto e, por fim, na freguesia de Jazente, onde terminou o seu magistério. Senhora muita culta, com um imenso gosto pela leitura, pessoa de carácter forte, e marcado, enquanto professora, pela exigência e pelo rigor, ensinou tanto e tão bem que os seus alunos, mesmo os que obtiveram apenas o diploma da quarta classe, saíam da escola com conhecimentos, desde a Língua Portuguesa até à Matemática, Geografia, História de Portugal e muito mais, que hoje não se encontram em jovens do sétimo, oitavo e nono anos de escolaridade. Eu sei disso muito bem, porque fui aluna dela e, ainda hoje, quando penso em certos temas, sei que os aprendi com ela, na escola de Jazente. E, quando um dia fui questionada, numa entrevista, acerca do meu professor de referência, eu procurei em toda a minha vida de aluna, até à universidade, e tive de admitir que foi ela!

A minha Mãe conseguiu atingir esta idade com lucidez, com saúde, com muita vontade de viver e usufruir dos prazeres da vida. Conseguiu ultrapassar muitos reveses da vida pessoal, alguns problemas de saúde que foi tendo e hoje é um prazer olhar para ela e ver-lhe o sorriso radioso e a alegria de estar com quem a ama. 

Foi um dia memorável esta quarta-feira, um acontecimento, o acto de acender três velas com três algarismos e cantar-lhe os parabéns que ela acompanhou com palmas. Vejo que homenageiam, um pouco por toda a parte, centenários de pessoas importantes, nesta e naquela área, que, entretanto, morreram antes de poderem celebrar os 100 anos, estando presentes. E esta Senhora notável não só ajudou muitas pessoas a concluir a escolaridade obrigatória, mas também estimulou os pais de alunas, com capacidades intelectuais acima da média, a fazerem um sacrifício e a permitir-lhes que prosseguissem os estudos. Conheço várias que se tornaram, elas próprias, professoras, porque a tal foram conduzidas por iniciativa e esforço da minha Mãe e Professora.

Decerto, se a tivessem visitado neste dia memorável, ela lembrar-se-ia de uns e não de outros; mas seria um acréscimo de felicidade, saber que era lembrada e assim homenageada. Confesso que vi o lugar vazio de alguns desses antigos alunos.

A minha Mãe não escreveu nenhum livro, embora pudesse tê-lo feito; não se tornou pianista, embora tivesse aprendido a tocar piano; não se destacou nas artes plásticas…não é famosa, portanto. Mas, enquanto Professora do Ensino Primário, equivale, sem dúvida, a todos esses que são homenageados no seu centenário, mesmo não estando já presentes. Enquanto discípula e com a noção de que o que ela me ensinou continua presente na minha memória e constituiu o patamar sólido da minha formação posterior, homenageio-a aqui e faço-o em nome de todos os outros (que não sabiam deste acontecimento ou se esqueceram).

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