Sou da colheita de 1973, ali mesmo às portas da Revolução de abril. É o ano de Roe v Wade; o World Trade Center é o edifício mais alto do mundo; O Padrinho ganha o Óscar para Melhor Filme; em Nova Iorque, é feita a primeira chamada num “telefone móvel portátil”; o Luxemburgo ganha a Eurovisão; rebenta o Watergate; nasce a “síndrome de Estocolmo”; as Alemanhas são admitidas nas Nações Unidas; é inaugurada a Ponte do Bósforo; e os americanos e soviéticos andam pelo Espaço. Por cá, há bulício: há atentados, manifestações, reuniões, congressos e movimentos; nascem partidos e nasce o Expresso. Em Moçambique nasce a Mariza e em Amarante nasço eu – dois eventos sem relação ou comparação.
Foi o ano de muitas outras coisas: golpes de estado, guerras, mortes, assassinatos e desastres. E de acontecimentos menos drásticos. E de outros menos memoráveis. Foi no meio disto que nascemos nós, os de 1973. Depois, foram 50 anos animados. Quisemos “ver Portugal na CEE” e vimos. Quisemos mais Direitos Humanos e tivemos: ambientais; pela orientação sexual; pelas crianças; pela identidade de género; contra o racismo e a xenofobia; pelas mulheres; pelos animais; pelas minorias; pelos refugiados – por uma vida mais digna para todos. Usámos perneiras e fitas na testa; rosa choque e verde fluorescente e dividimo-nos entre o Limão e Bota Botilde. Vimos o Muro a cair, a ONU a crescer e a Princesa Diana a casar-se. Gravámos o Holocausto na memória e dissemos que guerra na Europa nunca mais. O Contdown do Adam Curry deu-nos a pop lá de fora e o Rick Astley jurou que “nunca ia desistir de nós, nunca ia desapontar-nos e nunca ia abandonar-nos”. E deram-nos pop cá dentro. E também Trovante. Tivemos o Concord, os telemóveis e a internet. Mais os drones e o Twitter. O micro-ondas deixa de ser luxo e entra em massa pelos lares portugueses; mas sem chegar aos calcanhares da varinha mágica. O Google Maps e os carros com GPS libertaram os distraídos e o QRCode nasceu, morreu e renasceu na era Covid. Dissemos (com a Lena d’Água) que “Nuclear não, obrigado”. Trocámos o cinema pela Netflix e ainda não sabemos o que vamos fazer com o ChatGPT. Vimos nascer o Serviço Nacional de Saúde e pudemos votar em Democracia mal, fizemos 18 anos.
Depois, o Concord deixou de voar, o World Trade Center desapareceu, o Trump fez outro muro e o Elton John cantou no funeral da Princesa Diana. A CEE passou a UE e chamar-lhe “União” é um nadinha exagerado. Não faltaram Guerras na Europa. Foi-se promessa da ONU e das “coisas que nunca mais voltariam a acontecer”. O “Nuclear não, obrigado” não evitou Chernobyl e as alterações climáticas são uma espécie de varinha mágica: estão em todo o lado. Quanto a Direitos Humanos, o The Handmaid’s Tale foi publicado em 1985 como obra de ficção e agora mais parece um documentário. Há a “pós-verdade” e a “inverdade”, que são maneiras chiques de dizer que há gente que mente e à descarada. Esqueceram-se do Holocausto e a extrema-direita voltou ao poder. A internet não nos uniu e as redes sociais muito menos. Alguns até acham que o jornalismo é de borla e que as ”opiniões” são “factos”. Continuamos a militar cá pela Terra (será síndrome de Estocolmo?), mas já estivemos mais longe de “sair da zona de conforto” e ir até Marte. O que era “fixe” agora é “top” e parece que, afinal, “desistiram de nós, desapontaram-nos e abandonaram-nos”. Ou fomos nós que desistimos.
50 é um número redondo. Com alguma sorte, podemos ter mais 25. Dão para um ponto de situação, a dois terços do caminho. Parece que ando pessimista, mas não: otimista, por decisão e convicção. E tenho bons motivos para isso: ainda há livros em papel e não é que as perneiras, qual QRCode, parecem querer ressuscitar?