"O românico do concelho de Amarante é, para nós,
uma excelente motivação para conhecer as pedras mudas
que ainda continuam falando, suavemente, para o nosso olhar."
(Lois García)
O presente artigo tem como objetivo analisar como a Igreja Católica, na Idade Média, combateu o pecado da luxúria com o recurso à arte românica. Recorrendo ao simbolismo medieval e aos monumentos românicos de Amarante, procuraremos interpretar o que nos dizem as pedras que, apesar de mudas, continuam falando…
Os catecismos de pedra românicos
Uma das características da Idade Média ocidental foi a instituição Igreja, que representava o sagrado e dominava o mundo de uma forma confessional. A Igreja confundia-se com a própria sociedade, que tudo envolvia desde o nascimento até à morte, pertencendo a ela a defesa do bem contra o mal.
Neste sentido, os sermões enquanto discursos dirigidos a pessoas na sua maioria analfabetas, por vezes, eram compostos de histórias para demonstrar a negatividade de certos comportamentos. Como refere José Mattoso, era necessário dominar, domesticar e esconder tudo aquilo que, por meio do corpo, soltava a natureza animal do Homem e trazia a desordem social.
Mas, os sermões, as leituras e outros atos de fé não chegavam. Era preciso utilizar todos os meios disponíveis para passar a mensagem religiosa, sendo que a Igreja Católica entendeu que o utilização das artes, nomeadamente a românica, poderia ajudar a orientar a mentalidade medieval.
Surgem, em consequência, programas iconográficos nas igrejas católicas, designadamente em tímpanos, frisos, capitéis ou cachorradas baseados em temas bíblicos, lendários e no bestiário medieval, com a finalidade de evidenciar a necessidade do mal ser vencido pelo bem. O edifício Igreja surge, assim, como um catecismo de pedraem que o granito ajudou a passar a mensagem da luta contra o pecado e, no caso particular deste artigo, contra a luxúria, sinónimo de sedução e tentação pelo prazer sexual e considerada um vício feminino por excelência.
De referir que, quando o tema de pregação eram os pecados capitais, a luxúria apresentava-se como uma das principais transgressões que os pregadores, do alto do púlpito, denunciavam com mais insistência. Atendendo à sua relação com o sexo feminino, este vício foi quase sempre simbolizado iconograficamente por uma mulher ou numa derivação desta, com base em lendas, tradições ou na mitologia.
Nesta ordem de ideias, a luxúria teria de estar representada artisticamente, para afastar os crentes de um dos piores pecados que se poderia cometer naqueles tempos.
Tendo em atenção a riqueza românica do concelho de Amarante, expresso em dez imóveis que integram a Rota do Românico, a luxúria não poderia estar ausente iconograficamente, embora, neste concelho, se apresente contida e implícita, através do simbolismo da Eva e de seres lendários, nos mosteiros de São Martinho de Mancelos e do Salvador de Travanca.