O Marão aqui tão perto!

Serra do Marão "pintada" de urze e carqueja (FOTO AM)

Valorizar os recursos existentes na serra e aumentar a sua atratividade passa por recuperar as antigas casas dos guardas florestais, dotá-las de conforto e disponibilizá-las para alojamento turístico. E são várias as existentes: a da Estrada, em Ansiães; da Póvoa, de Espinho e dos Viveiros das Trutas (duas). O mesmo deveria acontecer com as casas das minas do Ramalhoso (três) e Rodas. 

Em setembro de 1995 completavam-se 10 anos sobre o grande incêndio no Marão (que muitos apelidaram de “inferno de setembro”) que, tendo começado na freguesia de Teixeira, no concelho de Baião, rapidamente alastrou pela serra, destruindo mais de três mil hectares de floresta, a maioria dos quais no baldio de Ansiães, em Amarante.

Tinha passado uma década, a serra estava a regenerar, o rosa da urze e o amarelo da carqueja tinham regressado às suas encostas e haviam sido plantados muitos milhões de árvores, segundo (novos) conceitos que tiveram em conta as várias bacias hidrográficas existentes e que davam privilégio a espécies folhosas (carvalhos, castanheiros, salgueiros…) em detrimento das resinosas, mais combustíveis.

Os planos de reflorestação do Marão incluíram a criação de pontos de água espalhados pela serra, aproveitando as muitas nascentes existentes. O objetivo era que, em caso de deflagração de incêndios, o combate pudesse ser célere e os bombeiros tivessem onde abastecer os seus autotanques.

E foi assim que se construíram tanques e represas, uma das quais, a da Borrança, na Meia Via, foi mesmo dotada de um pequeno heliporto. Junto das represas, os Serviços Florestais criaram espaços de lazer e descanso, dotando-os, em alguns casos, de “cozinhas de montanha”, onde ainda hoje é possível fazer churrascos.

O objetivo era óbvio: levar pessoas ao Marão para desfrutarem da serra e com ela criarem laços de cumplicidade e, se possível, fazer de cada cidadão um “vigia da natureza”.

Uma das mais emblemáticas represas da serra é a da Póvoa (lugar da freguesia de Ansiães), que é alimentada pela ribeira do mesmo nome. Desta represa resulta uma pequena albufeira, que disponibiliza água para combate a incêndios, saceia a sede a animais (mamíferos e aves) que têm na zona o seu habitat e, com os devidos cuidados, permite banhos a humanos que a procuram para os seus momentos de lazer, sendo que o local é um dos pontos de água do Marão onde foi construída uma “cozinha de montanha”.

Represa da Póvoa, no baldio de Ansiães, que integra o trilho “O Marão tem sangue azul” (Foto MA).

Também em 1995, no mês de setembro, Cavaco Silva abria o último troço da A4  entre o Porto e Amarante e a serra do Marão passava a estar a, apenas, 35 minutos da cidade do Porto e da sua Área Metropolitana, onde viviam, então, mais de 1 milhão e 700 mil pessoas.

Juntando os dois factos – uma serra renascida, a que se chegava rapidamente a partir do litoral, onde havia um vasto público potencial, porventura ávido de natureza e ar puro –  não faltou quem visse no Marão o futuro pulmão da Área Metropolitana Porto, sendo que esta visão era reforçada pelo facto de a serra de Santa Justa, em Valongo, estar, à época, a ser transformada no que se receava poder vir a ser um enorme eucaliptal.

Trazer visitantes ao Marão significava, do ponto de vista de quem ali morava ou geria o seu território, uma oportunidade para dinamizar as economias locais, travar a desertificação e o envelhecimento populacional e, porventura, criar condições para o regresso de alguns dos muitos que haviam partido, levados pelas vagas migratórias.

O caso do baldio de Ansiães

O baldio de Ansiães ocupa boa parte da vertente ocidental da serra do Marão, tem uma área de 2 500 hectares, é o maior baldio do concelho de Amarante e um dos maiores do país. Sobe até aos 1400 metros de altitude, próximo da Senhora da Serra, e são variados os seus pontos de interesse. Em tempos distantes, terá sido habitado nos seus pontos mais altos, sobretudo na zona planáltica que vai da Lameira à Senhora de Moreira.

No seu território existirão, hoje, à volta de mil cabeças de gado, mas a base da  economia local, é certo, não voltará a ser o pastoreio, como o foi no período pré-florestação. “O nosso baldio reúne enormes potencialidades que, se aproveitadas com inteligência, podem ser, de novo, o motor de desenvolvimento de Ansiães”, defende Joaquim Arménio Miranda, Presidente do Conselho Diretivo do Baldio de Ansiães desde 1991.

Há cinco anos, quando se evocava o centenário do início da florestação da serra, Arménio Miranda editou o livro “Marão, minha Serra – Ansiães e o seu baldio ao longo do tempo”, no qual enumera alguns caminhos para que se possa tirar partido dos recursos da serra. Os propósitos são, em geral, os mesmos para que se apontava em 1995 e o enquadramento também se mantém, potenciado, num passado próximo, pelo “boom” turístico que, nos últimos anos, se gerou em torno da cidade do Porto.

Em 2017, segundo dados divulgados pela Associação de Turismo do Porto e Norte, o Porto e a região foram visitados por 1,9 milhões de turistas, cerca de metade dos quais estrangeiros, que vieram, sobretudo, do Reino Unido, Alemanha, Espanha e França.

A pandemia afastou a procura, mas o confinamento terá feito aumentar o desejo de ar livre e do contacto com a Natureza. Ora, reunindo o Marão características únicas em termos ambientais (mas também históricos), a serra volta a abrir-se a turistas e visitantes.

No seu livro, Arménio Miranda aponta alguns caminhos e chama, desde logo, à atenção para a necessidade de se manter, e porventura reforçar, as equipas de sapadores florestais que fazem a vigilância do território do baldio e que, para além de trabalhos regulares de manutenção, funcionam como “postos avançados” na deteção e ataque rápido a focos de incêndios, fazendo-se, por isso, transportar em viatura que levam até 500 litros de água.

Numa altura em que os baldios retornaram à posse plena das comunidades (desde 2016 que cessou a gestão partilhada com o Estado), a preservação e defesa da floresta e outros recursos dos montes comunitários está legalmente nas mãos dos povos e aumenta a sua responsabilidade. Mas há muitos anos que o Estado havia deixado de ter condições para participar na gestão dos baldios, incumbindo-lhe, agora, o aconselhamento técnico e a fiscalização.

Valorizar os recursos existentes no baldio de Ansiães e aumentar a sua atratividade passa, também, por recuperar as antigas casas dos guardas florestais, dotá-las de conforto e disponibilizá-las para alojamento turístico. E são várias as existentes: a da Estrada, em Ansiães; da Póvoa, de Espinho e dos Viveiros das Trutas (duas). O mesmo deveria acontecer com as casas das minas do Ramalhoso (três) e Rodas. 

Em outras áreas, defende o Presidente do Conselho Diretivo de Baldios de Ansiães, e tirando partido dos vários riachos de água permanente existentes no baldio, onde a truta tem uma boa adaptação, dever-se-á fomentar a pesca a esta espécie, associando-lhe a caça grossa, do javali e corço, que encontram na serra  condições favoráveis de desenvolvimento.

Depois, a economia local pode ainda tirar partido de variadas atividades que o território do baldio proporciona: a produção de madeira de qualidade, certificada; a apicultura, a pastorícia, a apanha de cogumelos selvagens, a apanha e comercialização de flor de carqueja, salgueiro e outras plantas medicinais ou aromáticas. A produção de mel já teve, de resto, grande expressão no baldio, com mais de uma dezena de toneladas anuais, repartidas por vários apicultores.

A estratégia de captação de visitantes e turistas passa também por investir em atividades de lazer e desportos aventura. Desde 2019, a serra oferece já uma rota pedestre com 14,5 quilómetros. Trata-se da PR6 (Pequena Rota nº 6), de percurso circular e com partida da povoação do Eido. O seu trajeto inclui o Viveiro das Trutas, segue pela levada de água que o abastece; Minas do Ramalhoso, casa florestal de Espinho (junto à Pousada do Marão), regressando ao Eido pela margem esquerda do rio Marão.

A grande rota, com início em Ansiães, e ainda em preparação, terá 34 quilómetros e passará pela Sra. de Moreira, Alto de Espinho, Sra. da Serra, Murgido e lugar da Póvoa, com regresso ao Eido. O Município de Amarante inaugurou, recentemente, o trilho “O Marão tem sangue azul”, cujo percurso, de 3,5 quilómetros, é feito ao longo da ribeira da Póvoa, numa zona de grande riqueza ambiental.

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