A cultura como valor acrescentado ao serviço de uma economia humanizada – educação e turismo

(Foto de Element5 Digital, no Pexels).

(…) para vivermos em pleno precisamos do básico: de pão, de trabalho, de dinheiro, mas esse básico deve também contemplar a beleza, a arte, a música, a literatura, as tradições, os conhecimentos locais – a cultura.

De vinte e quatro regiões portuguesas (NUTIII), a nossa região Tâmega e Sousa é caracterizada pelo seu baixo poder de compra, facto que se comprova com a sua posição no penúltimo lugar da referida lista, isto segundo a décima quarta edição do Estudo Sobre o Poder de Compra Concelhio 2019 (INE, 2019) e com as questões da pandemia esta situação pode mesmo ter-se agravado. Estamos perante um problema de resolução difícil que, em meu entender, necessita seguramente de uma estratégia multidisciplinar, pois não podemos focar-nos apenas nos números, mas também nas pessoas e tudo, devidamente, enquadrado em respostas económicas humanizadas. 

Como diz Tolentino Mendonça (2021) “Deus sabe que precisamos de pão, mas também de rosas” (p.44), ou seja, para vivermos em pleno precisamos do básico: de pão, de trabalho, de dinheiro, mas esse básico deve também contemplar a beleza, a arte, a música, a literatura, as tradições, os conhecimentos locais – a cultura. Além disso, a aposta na cultura é também já uma estratégia de desenvolvimento económica pois “neste momento, as áreas culturais empregam mais do dobro dos trabalhadores do que as indústrias automóvel e de telecomunicações juntas e, antes da pandemia, cresciam a um ritmo bem mais acelerado do que a média da União Europeia, representando 4,4% do PIB da EU” (Ferreira, L., 2021). Ora, na senda de contributos que poderemos reunir para uma suposta resolução deste problema coletivo, constatamos que o concelho de Amarante através da sua cidade criativa da UNESCO assumiu, desde 2017, a cultura e a criatividade como vetores fundamentais para o desenvolvimento urbano sustentável e inclusivo, facto que poderá vir a ser um bom contributo para este problema.

Educação

No entanto, se considerarmos cultura como “(…) uma realidade que integra todas as formas de expressão da vida social e coletiva, numa linha de identidade, de tradição e de memória, no contexto das relações intersubjetivas, numa dada comunidade (…)” (Reimão, C., 1996, p.321), teremos todos que atuar mais a longo prazo, de forma mais persistente, organizada e colaborativa, envolvendo as mais diversas entidades locais, sendo elas públicas, privadas, de formação, de ensino, entre outras, culturais. Isto porque, segundo Edgar Morin, é precisamente nesta missão “do ensinar” que se encontra um outro problema, pois a identidade humana é completamente ignorada pelos programas de instrução, focamo-nos nos conhecimentos matemáticos, científicos, biológicos, de psicologia, mas a realidade humana é indecifrável e nós somos, segundo o autor, indivíduos que fazem parte de uma sociedade e essa sociedade está em nós, a nossa cultura (Revista Prosa Verso e Arte, 2022). Agora é necessário que essa informação passe às novas gerações, quer formal, não formal ou mesmo informal, se assim não for, corre-se o risco do jovem, antes mesmo de conhecer a sua identidade e cultura local, conectarem com o mundo, com outras culturas, através de pesquisas, viagens, experiências profissionais e, em última instância, realizarem tudo isto sem serem capazes de partilhar com os outros a sua identidade, falar do seu lugar e das suas raízes.

Neste sentido, o belo, a arte, o ensino da literatura e da poesia, independentemente, de quem o proporcione ou dinamize, são fundamentais. Segundo Edgar Morin a literatura é para o adolescente uma escola de vida e meio para se adquirir conhecimentos, logo não bastam todos os conhecimentos das diferentes disciplinas científicas e/ou tecnologias para preparar as gerações futuras para a vida humana, a literatura tem a vantagem de refletir a complexidade do ser humano e a qualidade incrível dos seus sonhos, os diferentes gostos e sentimentos de cada cidadão. Além disso, segundo o mesmo autor a poesia ensina-nos a qualidade poética da vida, uma qualidade que sentimos diante de factos da realidade. Logo, podemos dizer que para além do “pão”, temos de ensinar a observar as “rosas” e a conhecê-las, a nossa cultura, fundamental no enraizamento do cidadão e na sua capacidade de a partilhar.

Turismo

Considerando que o problema do baixo poder de compra da nossa região possa estar em efetiva resolução com os diversos contributos de cada concelho, de cada entidade, de cada cidadão, resta-nos identificar aqui valor da cultura como valor acrescentado ao serviço de uma economia humanizada. Sabe-se que 86% dos turistas vêm o “envolvimento cultural” como factor decisivo para a escolha do destino de viagem, assim 75% dos inquiridos estão determinados a procurar informações relacionadas com a cultura e etnia do destino (CTP, 2022). Ora sabendo que uma das tendências de recuperação das viagens assenta na crescente importância que os consumidores atribuem à cultura, porque não pensar nesta área e trabalhá-la localmente. Isto porque, não podemos mostrar o que é nosso, sem nos conhecermos bem por dentro. Portanto, cabe-nos preparar a nossa casa, capacitar as nossas pessoas e só depois, através das mesmas, mostrar o que temos de melhor.

É agora o tempo. As viagens passarão a ser entendidas como “momentos na vida” e esses momentos são para serem vividos como experiências de imersão cultural, em ambientes verdadeiros, com pessoas da terra, com legitimidade no conhecimento e nas palavras. Experiências caracterizadas pelo lazer, que resultem em verdadeiras aprendizagens e que criem boas e eternas memórias impulsionadoras de novas visitas a este destino – Tâmega e Sousa, podendo também ser estas visitas um contributo para a resolução do problema enunciado.

Referências Bibliográficas
Confederação do Turismo de Portugal (CTP), (21 janeiro, 2022). Principais tendências turísticas para 2022.Consultar em https://ctp.org.pt/noticias/principais-tendencias-turisticas-para-2022
INE (2019). Estudo sobre o poder de compra Concelhio 2019. Consultado 25-01-2022 em: file:///C:/Users/carol/Downloads/04EstPoderCompConc2019%20(1).pdf
Ferreira, L. (2021). Disco Riscado: A cultura é a primeira a desbravar esse terreno incompreensível da esperança. Consultar em: https://gerador.eu/disco-riscado-a-cultura-e-a-primeira-a-desbravar-esse-terreno-incompreensivel-da-esperanca/
Revista Prosa Verso e Arte (19-01-2022). Os sete saberes necessários à educação do futuro – Edgar Morin. Consultar em https://www.revistaprosaversoearte.com/os-sete-saberes-necessarios-educacao-futuro-edgar-morin/

* Carolina Mendes é Investigadora e CEO do Stay to Talk – Instituto de Imersão Cultural

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