A propósito do livro “Identidade e Família”

“Portugal, este antigo país, aninhado à luz do oceano Atlântico, conquistou, há, exactamente, 50 anos, o direito à liberdade, não somente no plano ideológico, mas também nas linhas dos direitos e dos deveres, antes sonegados ou confusos e, observando o evoluir destas cinco décadas, dir-se-ia que tudo o que foi deitado abaixo naquela madrugada de 25 de Abril se prepara, através de ideologias e personagens, primeiro disfarçadas e jogando, aparentemente, nas lides democráticas, para se manifestar, em pleno, e a breve trecho”.

Vivemos na segunda década do século XXI e é extremamente fácil verificar como a vida humana, em tudo o que ela significa, do ponto de vista social e mesmo noutras dimensões, sofreu transformações profundas. A outro nível, percebemos que este século se tem desenrolado num torvelinho de contradições, como se fossemos incapazes, enquanto habitantes superiores, ou tidos como tal, do planeta Terra, de estarmos suficientemente maduros para usufruirmos na plenitude de tantas e tão prodigiosas vantagens, hoje conquistadas. Aparentemente, avançamos de um modo nunca antes visto, dada a velocidade a que tudo corre, para transformar-se. Quase de um dia para o outro, e muitas vezes sem nos darmos conta por inteiro, o que era oportuno e útil numa hora, passa a ser antiquado e sem préstimo na seguinte.

Mas, em zonas mais profundas da vivência humana, decerto porque a própria dinâmica dos movimentos inescrutáveis do universo é cada vez mais insondável, apesar de todo o avanço da ciência e da tecnologia e comporta, em si, a contradição, o equívoco, o erro, a incerteza,  o homem vacila nas suas convicções. E, decerto descrente do que tem obtido de salutar ou esvaziado dos valores mais concordantes com a sua condição ou ainda temeroso de um futuro que, a espaços, ameaça tragá-lo, vemo-nos a regressar ao passado e, num conformismo absurdo, levantar certas bandeiras derrubadas a grande custo.

Portugal, este antigo país, aninhado à luz do oceano Atlântico, conquistou, há, exactamente, 50 anos, o direito à liberdade, não somente no plano ideológico, mas também nas linhas dos direitos e dos deveres, antes sonegados ou confusos e, observando o evoluir destas cinco décadas, dir-se-ia que tudo o que foi deitado abaixo naquela madrugada de 25 de Abril se prepara, através de ideologias e personagens, primeiro disfarçadas e jogando, aparentemente, nas lides democráticas, para se manifestar, em pleno, e a breve trecho.

Muitas prerrogativas antes proibidas, a seguir tidas como desnecessárias ou de segundo plano e logo trazidas ao lume do discurso, do debate e da luta, mostraram que um mundo equilibrado, de cidadãos de direito e com um lugar garantido, em pleno, estava a ser construído e iria ser a marca fundamental do futuro.

“Identidade e Família” é um livro que, justamente, nos coloca no cerne desta contradição e deste recuo.  Nele são abordadas questões profundas sobre o papel da família na formação da identidade individual e colectiva. Explora como os laços familiares moldam as nossas crenças, valores e comportamentos, e como esses aspectos influenciam a nossa visão de mundo e o nosso lugar na sociedade. A obra, provavelmente, oferece uma análise perspicaz sobre a dinâmica familiar e a sua relação com a construção da identidade pessoal, além de oferecer insights sobre como as mudanças na estrutura familiar ao longo do tempo podem impactar as pessoas de maneiras diferentes.

As críticas, tidas como oportunas e relevantes, ao livro “Identidade e Família” centram-se na forma como nele são tratadas as relações familiares e a sua influência na formação da identidade. Essas críticas podem incluir:

1. Essencialismo familiar: Algumas críticas  argumentam que o livro reforça uma visão essencialista da família, ignorando as diversas formas de estruturas familiares e experiências familiares que existem na sociedade contemporânea. Efectivamente, o nosso tempo, vai-se destacando notoriamente desta visão tradicionalista, dado serem cada vez mais frequentes  e aceites pelo todo social as relações familiares oriundas de um divórcio, com filhos, seguidas da formação de outra união, em que ambas as partes do casal necessitam de saber coordenar as possíveis fracturas decorrentes da coabitação entre os filhos respectivos. Por outro lado, a união de facto estabelece outro tipo de paradigma familiar, não tradicionalista, mas vigente em larga escala, assim como as famílias monoparentais em que um dos componentes do casal assume individualmente a criação e educação dos filhos. 

Na sequência da aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, surge outro tipo de família, francamente não tradicional ou essencialista, e o direito de adoptar uma criança é uma prerrogativa que lhe é facultada e que deve ser respeitada e aceite.

Defender o padrão familiar vigente no passado, à revelia de tudo o que foi conquistado e estabelecido por lei é obsoleto e, se no futuro, certas personalidades que assinam textos neste livro tiverem poder para regulamentar de outro modo e proibir qualquer uma destas realidades, veremos regressada a repressão e comprometida a liberdade.

2. Reprodução de normas patriarcais:  o livro não aborda adequadamente as questões de género e poder dentro da família, falhando em reconhecer como as estruturas familiares tradicionais muitas vezes perpetuam hierarquias de género e normas patriarcais. De facto, com a emancipação da mulher e consequente entrada no mercado de trabalho, com funções idênticas às dos homens, o “poder” familiar, traduzido, por exemplo, num único salário auferido pelo homem, relegada a mulher para as tarefas domésticas, foi amplamente deslocado e distribuído, não sendo exercido, de facto, em muitas circunstâncias, dado o casal partilhar funções e responsabilidades no âmbito familiar.

3. Nota-se uma falta de abordagem em questões sociais: o livro não contextualiza adequadamente a influência das condições socioeconómicas, raciais e políticas na formação da identidade familiar e individual, negligenciando assim factores importantes que moldam as experiências das pessoas.

4. São notórias as limitações na abordagem da diversidade: este livro não dá espaço suficiente para as experiências de famílias marginalizadas, como famílias monoparentais, famílias LGBTQ+ ou famílias de imigrantes, falhando em reconhecer a diversidade de experiências familiares.

Todas estas críticas, consideradas de esquerda, são extremamente úteis para uma análise mais abrangente do livro e para contextualizar as suas abordagens sobre identidade e família dentro de perspectivas mais amplas de justiça social e diversidade.
O livro “Identidade e Família”  aborda temas sensíveis como o aborto, a homossexualidade e a identidade de género dentro do contexto das relações familiares e da formação da identidade individual. Aqui estão algumas maneiras de como o livro poderia abordar esses temas:

1. Aborto: O livro pode discutir como as questões relacionadas com o aborto afectam as dinâmicas familiares e a identidade das pessoas envolvidas. Isso pode incluir considerações sobre valores familiares, crenças religiosas e como diferentes membros da família podem ter perspectivas divergentes sobre o assunto. Todavia, dado ser um direito adquirido na sociedade contemporânea, respeitante em primeiro lugar, à mulher, no interior da qual se dá a concepção, deve caber-lhe antes de mais decidir se deseja levar a bom termo uma gravidez quantas vezes concretizada em situações de risco, seja físico, psicológico ou social. Proibir o direito ao aborto, realizado em condições que afastam o risco e de acordo com a lei estabelecida é, sem dúvida um regresso a estigmas do passado e o abrir caminho a práticas secretas e repletas de riscos.

2. Homossexualidade:  Este é um tema cuja análise  desafia a pertinência quanto ao seu tratamento. O livro explora o facto de a orientação sexual de um membro da família poder influenciar as relações familiares e a identidade de todos os envolvidos. Isso pode envolver discussões sobre aceitação, apoio familiar, discriminação e como as famílias lidam com a diversidade sexual. 

Falemos, para concluir, das mulheres, essa categoria humana de topo por razões evidentes até ao mais opaco dos seres, e observemos bem de que modo insolente lhes é ainda negado o direito àquela igualdade que não pode observar-se nas particularidades físicas ou fisiológicas mas que promana da sua qualidade intrínseca de pertencer, por direito, a uma comunidade global de seres tidos como superiores. Decerto chegou a hora de promover, em pleno, a assunção da igualdade quanto aos direitos, reconhecendo, contudo, a diferença, abandonando, de forma intrínseca ou de um modo evidente e prático, que a discriminação não pode ser defensável a nenhum nível e por nenhum meio, o que não parece ser a tónica deste livro”.

Ora, a Assembleia da República aprovou com 126 votos a favor, 97 contra e 7 abstenções, no dia 8 de janeiro de 2010, o acesso ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo em Portugal, com exclusão da adopção. A lei foi aprovada na especialidade no dia 11 de fevereiro de 2010 e analisada pelo Tribunal Constitucional, que não viu problemas de constitucionalidade, em 8 de abril. A 17 de maio, o Presidente da República promulgou a lei. A mesma foi publicada em 31 de maio e entrou em vigor a 5 de Junho. Deste modo, Portugal passou a ser o oitavo país do mundo a realizar, em todo o território nacional, casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo, juntando-se aos Países BaixosEspanhaBélgicaÁfrica do SulCanadáNoruega e Suécia. A Islândia e a Argentina seguiram-lhe o exemplo no mesmo ano. A lei do casamento não permitia a adopção por casais homossexuais; porém, em dezembro de 2015, o Parlamento português aprovou a adopção, que sofreu veto do presidente conservador Aníbal Cavaco Silva. Em fevereiro de 2016, o Parlamento derrubou o veto presidencial, confirmando a legalidade da adopção.

Deste modo, discutir o tema, tal como é feito neste livro, argumentando que a aceitação de um membro homossexual na família provoca instabilidade e desequilíbrio ou que crianças adoptadas por casais homossexuais têm uma menor possibilidade de crescimento harmonioso é uma falácia, desmentida largamente pela observação dos factos.

3. Identidade de género: O livro examina como questões relacionadas com a identidade de género afectam as experiências familiares e a formação da identidade individual. Isso pode incluir narrativas de pessoas transgéneras e não-binárias, discussões sobre aceitação familiar, acesso a cuidados de saúde adequados e desafios enfrentados por indivíduos que não se conformam com as expectativas de género tradicionais. Porém, toda e qualquer discussão ou debate que envolva estas questões não poderá em qualquer circunstância ater-se ao preconceito ou muito simplesmente partir do princípio de que a existência de uma multiplicidade de géneros entre os humanos se deve a anomalias físicas, psicológicas ou sociais promovendo a sua repressão ou favorecendo a discriminação.
Em cada um desses temas, o livro pode oferecer uma análise das complexidades envolvidas, incluindo perspectivas sociológicas, psicológicas e éticas, com o objetivo de promover uma compreensão mais profunda das interseções entre identidade e família. Porém, ao fazê-lo, tenta recuar para um tempo em que a tradição resumia a vivência familiar a um único padrão, por exclusão dos muitos a que, entretanto, a dinâmica individual e social aderiu, não sem luta e promovendo múltiplas acções de sensibilização e esclarecimento.

Falemos, para concluir, das mulheres, essa categoria humana de topo por razões evidentes até ao mais opaco dos seres, e observemos bem de que modo insolente lhes é ainda negado o direito àquela igualdade que não pode observar-se nas particularidades físicas ou fisiológicas mas que promana da sua qualidade intrínseca de pertencer, por direito, a uma comunidade global de seres tidos como superiores. Decerto chegou a hora de promover, em pleno, a assunção da igualdade quanto aos direitos, reconhecendo, contudo, a diferença, abandonando, de forma intrínseca ou de um modo evidente e prático, que a discriminação não pode ser defensável a nenhum nível e por nenhum meio, o que não parece ser a tónica deste livro.

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