Na tarde de 7 de junho, sob o burburinho das Festas de Junho de Amarante, a Casa da Portela acolheu a conferência “Ecrãs e Saúde Mental (des)enraizamento cultural” que se debruçou sobre os resultados do projeto “Geração Laranja” promovido pelo Instituto de Imersão Cultural Stay to Talk em parceria com a Associação Emília Conceição Babo e com o apoio do Município de Amarante e de diversos parceiros institucionais e comerciais.
O encontro reuniu especialistas e divulgou os primeiros resultados do projeto que pretende usar o património local como recurso para fortalecer as competências socioemocionais de alunos do 5.º ano e prevenir problemas de saúde mental associados à superestimulação tecnológica.
O encontro foi abrilhantado por momentos culturais protagonizados pelo Grupo Folclórico de Santa Cruz de Vila Meã e o GVAR – Grupo Escola da Viola Amarantina Renascida.
Carolina Mendes, coordenadora geral do Geração Laranja e CEO do Stay to Talk, abriu a apresentação sublinhando que este é um projeto pioneiro na região, inspirado no conceito de “economia laranja”, onde a criatividade, a cultura e o património se unem para inovar. Desde novembro de 2024, o projeto-piloto envolveu 170 alunos de nove turmas em duas escolas de Amarante, permitindo assinalar 24 crianças com vulnerabilidades que beneficiaram de acompanhamento específico.
“Transformamos o património em recurso terapêutico e educativo, promovendo competências de criatividade, comunicação e sentido de pertença”, afirmou, traçando o mapa de uma metodologia que inclui laboratórios de enraizamento cultural, “dias laranja” de partilha na comunidade escolar e encontros intergeracionais, nomeadamente em IPSS locais.
Por seu lado, Bárbara Sousa, agente educativa, partilhou as primeiras impressões dos alunos:
“Já observo crianças entusiasmadas a investigar as origens do concelho, a sentir orgulho no que é nosso”, revelou.
A partir de “leques” de mapeamento do património – onde as crianças desenham, fotografam e documentam monumentos, festas populares e tradições orais –, e do uso do smartphone como ferramenta de trabalho em vez de mero entretenimento, o projeto conseguiu aumentar o conhecimento das crianças sobre as freguesias de Amarante e criar laços estreitos com associações culturais e coletividades. A rede de parceiros cresceu para 12 entidades, que colaboram em oficinas, visitas e sessões de “storytelling”.
Também se fizeram sentir reações que ressaltaram o impacto local e espírito do projeto. Ricardo Vieira, representante da Educação no Núcleo Executivo do Conselho Local de Ação Social, destacou a importância de integrar o património na educação como forma de conectar os alunos às suas raízes culturais, afirmando que “o Geração Laranja demonstra, na prática, como o conhecimento e o orgulho pela nossa identidade podem funcionar como alicerce para o desenvolvimento socio-emocional das crianças”.
Para Vítor Vieira, da Associação Emília Conceição Babo, o projeto reforça a importância de uma educação que valorize os laços comunitários e o património. “Ao conectar os jovens às nossas tradições, não só preservamos a identidade, como também construímos uma base sólida para as competências socioemocionais – um antídoto contra a alienação digital”, sublinhou.
Sónia Files, representante regional do Norte da Portugal Inovação Social, destacou a importância da inovação social na resposta aos desafios da saúde mental e do desenraizamento cultural. Sublinhou que projetos como o Geração Laranja, desenvolvidos a partir da comunidade, têm potencial para influenciar políticas públicas e integrar soluções estruturais para a educação e o bem-estar infantil.
Por sua vez, Jorge Ricardo, Presidente da Câmara de Amarante, sublinhou com entusiasmo que “é fundamental termos um projeto 100% amarantino, que reafirme as nossas tradições e fortaleça a identidade da comunidade, mostrando que a nossa cultura é a base para encararmos os desafios do mundo digital”.


Carolina Mendes e Rancho Folclórico de Vila Meã (Fotos de Paulo Teixeira)
Três abordagens ao desafio dos ecrãs
Depois da apresentação dos resultados, seguiu-se um debate que trouxe ao palco três abordagens distintas para o desafio dos ecrãs. Luís Valente, do Centro de Competências TIC da Universidade do Minho, alertou para a importância de estabelecer rotinas e metas de uso desde as idades mais precoces, de modo a evitar padrões de dependência comportamental: “É urgente definir regras claras e supervisionar o tempo de ecrã, sobretudo quando sabemos que a fronteira entre uso e vício comportamental é muito ténue.”
Gastão Ferreira, presidente da delegação norte da Ordem dos Psicólogos Portugueses, reforçou a necessidade de promover a literacia em saúde mental e digital, salientando que os jovens “precisam de reconhecer cedo sinais de mal-estar, saber pedir ajuda e desenvolver o ‘poder do ainda não’ para resistir à pressão das redes sociais.”
Por seu lado, João Caramelo, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, criticou a utilização do acesso ao telemóvel como forma de punição e defendeu uma negociação partilhada de horários entre pais e filhos: “Adotar uma lógica de regras impostas pode gerar resistências. É mais eficaz cocriar limites para que a criança interiorize o valor do descanso digital.”
O encontro terminou com o compromisso de aprofundar a avaliação de impacto do primeiro ano do Geração Laranja e de levar esta experiência a dezenas de novos estabelecimentos de ensino. Até 2028, o objetivo é chegar a mais alunos e crianças em situação de maior risco, integrando as práticas de enraizamento cultural no currículo e replicando a metodologia noutros territórios.
Se as Festas de Junho evocam as raízes populares de Amarante, o Projeto Geração Laranja demonstra como a herança cultural pode ser, também, um antídoto para a alienação digital e um motor para o bem-estar mental das novas gerações.