Apontamentos para a História de Amarante: A Guerra da Patuleia

Camilo Castelo Branco

Foi em Amarante que, ido de Vila Real, Camilo Castelo Branco se juntou à esfarrapada hoste do general Mac-Donell… e o novo guerrilheiro se reuniu ao estado-maior do caudilho realista” .

(Continuação do artigo anterior)

4- A GUERRA DA PATULEIA

Durante a Guerra da Patuleia, que durou nove meses entre Outubro de 1846 e Junho de 1847, Amarante foi local de trânsito das diversas forças intervenientes. Por pequenos períodos a vila esteve ocupada por tropas regulares, fieis ao governo ou rebeldes, bem como por grupos de guerrilhas miguelistas.

Esta guerra deve o seu nome a pata ao leu (descalço) ou, noutra interpretação, a patola (imbecil), nomes com que os cabralistas apelidavam os opositores setembristas, pois divulgavam que estes eram tão desprovidos que nem sapatos tinham. O termo, embora pejorativo, acabou por ser aceite e ficou na História.

Os irmãos Costa Cabral, apesar de se encontrarem no exílio, mantinham uma forte influência na Corte e contavam com um grande número de partidários, tanto nos meios civis, como nos militares. Por sua vez, a Rainha D. Maria II e o marido D. Fernando não estimavam muito o Governo do Duque de Palmela, que, a contra-gosto, escolheram para apaziguar os ânimos durante a revolução da Maria da Fonte. Consideravam-no demasiado à esquerda nas medidas que estava tomar para satisfação das promessas avançadas aquando da sua nomeação.

A 6 de Outubro de 1846, num autêntico golpe de estado palaciano que ficou conhecido por Emboscada, a Rainha, cometeu um deplorável erro de avaliação das forças políticas e, mal avisada pelos seus conselheiros, demitiu o Governo e chamou o Marechal Duque de Saldanha para presidir a novo Ministério. Apesar de não contar com nenhum dos irmãos Costa Cabral, integravam-no ministros claramente seus apoiantes. No dia seguinte, foram novamente suspensas as garantias constitucionais e anulado o decreto das eleições para as Cortes, sendo convocados os deputados da legislatura anterior para reunir.

Quando estas notícias chegaram ao Norte, percebeu-se que os cartistas estavam de novo no poder e os ânimos exaltaram-se. O Duque da Terceira, enviado para sufocar a revolta, foi preso no forte de S. João da Foz, às ordens da proclamada Junta Provisória do Governo Supremo do Reino, governo alternativo ao de Lisboa presidido pelo tenente-general Francisco Xavier da Silva Pereira, Conde das Antas, (Valença 1793/Lisboa 1852), um dos mais prestigiados militares dessa época, que devia o título aos combates que vencera nesse local do Porto em 1833 durante o cerco da cidade por D. Miguel. 

Da Junta do Porto faziam parte outros destacados líderes setembristas nortenhos, entre os quais, o presidente da Câmara Municipal do Porto, José da Silva Passos (irmão do célebre Passos Manuel), nomeado vice-presidente, o 4º conde de Resende e Justino Ferreira Pinto Basto, um dos donos da fábrica da Vista Alegre, que seria em 1868 deputado por Amarante. O visconde de Sá da Bandeira viajou para esta cidade e a sua adesão à revolta deu-lhe uma dimensão nacional. Governo e rebeldes levantaram exércitos e iniciou-se nova guerra civil, apenas doze anos depois do sangrento conflito entre liberais e miguelistas, agora opondo facções dos primeiros, com os segundos a aproveitar a ocasião para provocar a abdicação da Rainha e o regresso de D. Miguel.

As guerrilhas miguelistas ressurgiram em força por todo o norte do País agrupadas em torno de chefes carismáticos, como o Padre Casimiro José Vieira, [i]  auto intitulado general das cinco chagas,  e o velho general escocês Reginald Mac-Donell, que no final da Guerra Civil de 1832/1834, comandara o exército absolutista e fora novamente contratado, pelo representante em Londres de D. Miguel.

Mas muitos dos ex-militares, que tinham combatido por D. Miguel, abjuraram os antigos ideais e regressaram ao activo nas fileiras dos setembristas. Entre estes, contavam-se o reputado general Álvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Póvoas (Guarda 1773/Idem 1852), que na Beira Alta organizou uma numerosa milícia, e o coronel Bernardino Pinto Coelho Soares de Moura (Lousada 1787/Idem 1865), barão de Freamunde. Este levou consigo 400 homens muito disciplinados e aguerridos.

O Conde das Antas partiu para o sul a fim de comandar as tropas, que aí também tinham aderido à revolta, e José da Silva Passos assumiu a presidência efectiva da Junta do Porto. O visconde de Sá da Bandeira foi nomeado governador militar da cidade, que tratou de fortificar, e comandante da 3ª divisão militar com o encargo de chefiar as operações em todo o norte.

O Diário do Governo informava que a 14 de Outubro toda a província de Trás-os-Montes estava a favor da Rainha e que o general Simão da Costa Pessoa (Vinhais 1789/Braga 1848), visconde de Vinhais, marchava daí sobre o Porto, tendo chegado nesse mesmo dia a Amarante, onde pernoitara. Mas acabou por não atingir aquela cidade e retrocedeu para Vila Real. Dias depois o Batalhão de Caçadores 3, acompanhado de um forte destacamento de Infantaria, chegava também a Amarante, trazendo consigo uma elevada soma de dinheiro que o Governo mandara recolher em Lamego.

Em princípio de Novembro de 1846, José de Barros Abreu de Sousa e Alvim (Vila Verde 1791/Lisboa 1857), barão do Casal, que em Trás-os-Montes se mantinha fiel à Rainha, marchou sobre o Porto à frente de três regimentos (13 de Infantaria e 6 e 7 de Cavalaria), convencido que a sua aproximação geraria uma contra-revolta na cidade. Comunicou por ofício que pelo caminho, nomeadamente em Amarante, notara uma grande adesão à Rainha e aversão aos rebeldes e guerrilhas. Em Valongo teve noticias que a cidade continuava firme e se preparava um forte corpo do exército para lhe dar combate. Regressou para a sua província, pela estrada de Amarante para Vila Real, continuando até ao seu bastião de Chaves. 

O visconde de Sá da Bandeira, à frente de cerca de 3.200 homens dos Regimentos de Infantaria 3 e 15 e da Guarda Municipal do Porto, grupos de Artilharia e 3 Batalhões dos Artistas e dos Nacionais da Vista Alegre e de Baião, tomou o mesmo caminho, perseguindo as tropas governamentais. Levava no seu estado-maior, como ajudantes de ordens, os irmãos, ambos alferes, José e Vasco Guedes de Carvalho e Meneses, da casa da Costa, Mancelos, e, a comandar um piquete de cavalaria, o antigo soldado de Lanceiros, agora sargento, José Teixeira da Silva, mais conhecido por José do Telhado, que se alistara novamente.

O embate deu-se a 16 de Novembro junto a Valpaços. As forças em presença estavam equilibradas, mas a vitória fugiu a Sá da Bandeira quando, logo no início do combate, os dois regimentos de Infantaria desertaram e bandearam-se para o lado governamental. O regime noticiou então um diálogo entre Sá da Bandeira e o alferes José Guedes:

No meio do conflito, perguntou ele ao José Guedes se havia fogo? Muito, respondeu ele, e aonde? No centro. — E que faz o 3? — Fugiu! Mande avançar o 15! Esse também lá vai. — Então vamo-nos embora!” [ii]

Sá da Bandeira ainda tentou animar as forças que se mantinham a seu lado e, ousadamente como já fizera noutras ocasiões, cavalgou para a frente de combate. Reconhecido, foi perseguido e cercado por soldados inimigos, que o tentaram capturar. 

 “…o próprio visconde de Sá, que se dirigia para a frente das linhas, seria infalivelmente envolvido, se o seu ajudante de ordens, o alferes Vasco Guedes de Carvalho e Meneses, lhe não lançasse as mãos às rédeas do cavalo, trazendo-o a galope para a retaguarda..” [iii]

Vasco Guedes Carvalho de Meneses

Nessa ocasião, conta Camilo Castelo Branco, surgiu o sargento José do Telhado que destroçou os soldados inimigos perseguidores. Acrescenta que o visconde, em sinal de agradecimento, lhe deu a medalha da Torre e Espada que trazia sempre consigo. Nenhum biógrafo de Sá da Bandeira narra este episódio, mas Luz Soriano conta um outro muito semelhante ocorrido em 1834, no fim da Guerra Civil, no combate que, em S. Bartolomeu de Messines, opôs o general Cabreira a Sá da Bandeira, durante o qual o visconde foi salvo por um destemido soldado de lanceiros.[iv]

Os rebeldes desceram até ao Pinhão onde tomaram as barcas e seguiram rio abaixo até ao Porto. Ao passarem em Porto Manso foram atacados de ambas as margens pela guerrilha de Mac-Donell, que desbarataram e lhe causaram uma vintena de mortos, tendo o general escocês escapado a custo.

“Na Sexta-feira de madrugada chegou a esta Ci­dade uma pequena força da Municipal, toda esfarrapada e descalça, etc. que havia sido roubada pela guerrilha miguelista. À noite chegou o Sá acompanhado só por José Guedes! E a gente vinha pêle-méle em barcos.” [v]

Reginald Mac-Donell era um antigo militar do exército britânico que fora destacado para Espanha durante a Guerra Peninsular, onde granjeou fama de grande estratega e subiu na hierarquia militar. Tinha nascido na Escócia por volta de 1775 e era “um velho rijo e belo de sua pessoa, de estatura elevada, grosso sem ser gordo nem pesado. Cabelos brancos, um pouco calvo, cara rapada, com umas pequenas suíças alvas de neve a destacarem-se do apresuntado da face”. [vi] Falava bem castelhano e tinha a fama e proveito de “amante apaixonadíssimo do vinho fino português…não desdenhando a aguardente, o cognac, a genebra e quejandas bebidas de guerra” [vii] que começava a beber logo de manhã.

Em 1833 foi contratado por D. Miguel para chefiar o seu exército, substituindo o general conde de Bourmont que somava derrotas face aos liberais. Comandou pessoalmente, sem sucesso vários ataques à cidade do Porto. Também não teve êxito nos combates seguintes e, no fim da Guerra Civil, beneficiou, tal como os outros militares miguelistas, da ampla amnistia decretada por D. Pedro IV, sendo expulso do País. Mas, por volta de 1840, estava outra vez em Portugal, foi preso na cadeia da Relação do Porto por conspirações contra o regime liberal e novamente expulso.

O padre Dr. Cândido Rodrigues Álvares de Figueiredo e Lima, representante de D. Miguel em Portugal e chefe do seu governo clandestino, não encontrando militares de patente superior para comandar as suas hostes, não teve outro remédio senão aceitar o velho oficial escocês, que o seu colega de Londres lhe mandava. O general chegou ao Porto a 6 de Agosto de 1846 e partiu para Castelo de Paiva, onde se manteve por três meses. Entre grandes comezainas e bebedeiras, começou a organizar uma guerrilha que rapidamente contava mais de quinhentos homens, à qual se juntou o batalhão realista de Baião “composto de 200 estafermos da pele de seiscentos diabos, comandados pelo coronel Medeiros”. [viii]

Depois do ataque frustrado a Sá da Bandeira, atrás referido, Mac-Donell marchou para Braga para se juntar às guerrilhas dos padres Casimiro e Manuel de Agras e do abade de Priscos. 

Ao passar em Vila Meã, atacou uma coluna setembrista, onde seguiam o general França e o governador civil de Vila Real, que protegia um transporte de fornecimentos a caminho do Porto. 

Encontraram em Vila Meã um comboio de carros carregados de sapatos – Pinho Leal informa que eram dois mil pares – mandados fazer em Vila Real para os soldados de Sá da Bandeira…outro remédio não teve senão abandonar o calçado aos guerrilheiros de Mac-Donell… a tropa fandanga do cabecilha miguelista (agora bem calçada) marchou intrépida no caminho de Guimarães, onde entrou de tropel a 25 de Novembro, seguindo depois para Braga, que alcançou a 28, na força de dois mil e quinhentos homens…” [ix]

A 11 de Dezembro, barão do Casal desceu de Vila Real para Amarante com a 1ª brigada e nesta vila juntou-se a 2ª brigada para marcharem juntas sobre o Porto.

“Acabo de receber um ex­presso, e por ele sei que o Exmo. Barão do Ca­sal, Comandante da Divisão de Operações, saiu ontem de Vila Real para Amarante com a pri­meira Brigada, e que a segunda devia sair hoje na mesma direcção, para, depois de fazerem junção naquela Vila, marcharem reunidas sobre o Porto. Também fui informado pelo mesmo expres­so, de que a Junta rebelde do Porto fizera propostas ao Exmo. Barão do Casal, que foram rejeitadas in limine, respondendo o mesmo Exmo. Ba­rão vocalmente, que nada tinha a tratar com a Junta facciosa. “ [x]

Mas recebeu ordens para atacar Braga e, a qualquer custo, libertar a cidade, dominada há várias semanas pelas guerrilhas miguelistas. A 20 de Dezembro as tropas governamentais entraram na cidade e desbarataram completamente as forças rebeldes, causando-lhe mais de trezentos mortos. Mac-Donell e os restantes chefes escaparam e fugiram com os sobreviventes. 

O general escocês refugiou-se em Guimarães, mas receando ser atacado “…retirou, cerca da uma hora da noite de 27 de Dezembro, com a sua desmantelada gente a tremer de frio, pela estrada que segue pela Lixa em direcção a Amarante… “. [xi]Chegou a esta Vila no mesmo dia e lá permaneceu até 19 de Janeiro do ano seguinte. 

Camilo Castelo Branco, então estudante em Coimbra, regressou a Vila Real, quando a Universidade fechou devido à agitação política. Ao passar em Penafiel, foi interceptado pela guerrilha do feroz e muito doido João Nunes Borges, o Milhundos,[xii]que o aliciou para se lhe juntar e escrever as proclamações a favor de D. Miguel. Escapou-lhe e continuou viagem. 

Em Vila Real juntou-se aos miguelistas e era ele “…quem de pé sobre o balcão de Zé da Sola, em Vila Real, um lojista de cabedais de bezerro e vaca, muito legitimista, declamava enfaticamente e com os gestos mais violentos as proclamações do padre Casimiro estampadas no Periódico dos Pobres, e a carta, rica de conselhos, dignos de Fenelon, enviada pelo correio à senhora D. Maria II… [xiii]

Camilo Castelo Branco

No fim do ano, Camilo soube que Mac-Donell estava em Amarante e decidiu alistar-se na sua guerrilha. Ao padre Sena Freitas contou que, aos dezanove anos, “…tinha sido miguelista e afivelara esporas de cavaleiro (umas esporas de correia, de 12 vinténs, por sinal) na legião formidavelmente estúpida do general escocês Reinaldo Macdonell.” [xiv]

Foi em Amarante que, ido de Vila Real, Camilo Castelo Branco se juntou à esfarrapada hoste do general Mac-Donell…e o novo guerrilheiro se reuniu ao estado-maior do caudilho realista” [xv]  como ajudante de ordens. Desse estado-maior da guerrilha faziam parte, entre outros, o seu amigo Manuel Negrão, o padre Cândido de Figueiredo, o escritor Pinho Leal, o escrivão-fidalgo João Ferreira Pinto Rangel Dias de Sampaio, o coronel Medeiros do batalhão realista de Baião e Francisco Pinto de Lacerda, também de Baião.

O doutor Cândido de Figueiredo ia no quartel-general do Mac-Donell. Tive o dissabor de o conhecer em Amarante, onde o escocês se demorou vinte e três dias, numa bebedeira permanente depois da derrota de Braga …” [xvi]

A 20 de Janeiro a guerrilha, com mais de quatrocentos homens, entrava em Vila Real onde permaneceu uma semana. De Chaves e Régua partiram tropas governamentais para a atacar e, a 28 desse mês, Mac-Donell marchou para Vila Pouca de Aguiar. 

Camilo Castelo Branco, armado de uma pistola que levava presa a uma corda traçada a tiracolo, acompanhou Mac-Donell até cerca de Vila Pouca de Aguiar, onde não chegou a dar entrada.” [xvii] O futuro escritor apercebeu-se, então, que estavam todos perdidos, abandonou aquela destroçada guerrilha e refugiou-se em casa de familiares em Vilarinho de Samardã.

Mac-Donell ordenou a dispersão dos seus homens e ficou apenas com um pequeno grupo de indefectíveis. 

Passou, a que seria sua última noite, no solar dos Montalvão em Pensalvos onde a dona da casa lhes serviu uma ceia abundante e bem regada de vinho. A 30 de Janeiro o velho general resolveu reentrar em Vila Pouca de Aguiar com parte do seu estado-maior. Foram avistados por um piquete das forças do visconde de Vinhais, alguns conseguiram fugir mas Mac-Donell e João Ferreira Rangel foram cercados e quando se renderam os soldados acometeram sobre eles e assassinaram-nos barbaramente. O visconde de Vinhais ficou muito incomodado com esta acção dos seus soldados e mandou sepultar os corpos dos seus inimigos com honras religiosas e militares na capela de Santo Amaro, em Sabroso de Aguiar. 

O Norte começou então a pender claramente para o lado do Governo que tratou de impor a sua autoridade, começando por afastar os oponentes dos cargos administrativos e judiciais. Em finais do mesmo mês de Janeiro, Francisco Guedes de Carvalho e Meneses foi exonerado do cargo de delegado do procurador régio em Braga.

Mas, em Março, a vila de Amarante estava novamente ocupada por forças da Junta do Porto que, na noite de 9 desse mês, atacaram, sem êxito, a Régua.

Os rebeldes que estiveram em Amarante, saindo sobre a Régua daqueles sítios no dia 9 do corrente com 200 homens, quiseram imitar o seu digno guerrilheiro Neutel do Algarve; mas acharam prevenidos os con­trários. Toda a força leal era de 60 praças do Ba­talhão de Guardas Fiscais, e 40 do Regi­mento 16, e com tal bravura caíram estes poucos sobre os agressores em dobrado nu­mero que tiveram que fugir aceleradamente tomando a estrada de Mesão Frio; e ficou por tanto completamente malogrado o plano noturno.” [i]

Em Junho, numa acção já desesperada, os generais Álvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Póvoas (Guarda 1773/Idem 1852) e António César de Vasconcelos Correia (Torres Novas 1797/Lisboa 1865), que, dois anos antes, chefiara a frustrada revolta de Torres Novas, ocuparam a Régua donde marcharam sobre Amarante, evitando o combate com as tropas do agora Conde do Casal. Seguiram depois para o Porto onde se juntaram ao Conde das Antas.

As tropas rebeldes do comando do Po­voas, que ocupavam a Régua, abandonaram as suas posições no dia 10 do corrente, di­rigindo-se sobre Amarante, em consequência de não querer o General Conde do Casal, prorrogar o armistício que lhe pediram. Os rebeldes iam no maior desalento, fu­gindo-lhes muitos soldados, particularmente do Regimento N.°12 de Infantaria, que se pode julgar em dissolução, havendo-se apresentado só de uma vez ao sobredito General 30 soldados armados e equipados, e bem assim o bombo e caixa de rufo; tendo-se visto esconder-se muitos outros entre as vi­nhas. No mesmo dia 10 foram ocupar a Ré­gua alguns Corpos da Divisão do mesmo Conde… Os povos recebiam com demonstrações de alegria os nossos valentes. Cesar de Vasconcelos abandonou igualmente Amarante, recolhendo-se com Povoas ao Porto.” [ii]

A Rainha e o Governo conseguiram finalmente a intervenção de forças inglesas e espanholas para, ao abrigo do Tratado da Quadrupla Aliança,[iii] defenderem o regime liberal,  com o argumento de que os setembristas se tinham aliado aos absolutistas e corria-se o perigo destes últimos tomarem o poder.

O conde das Antas, que voltara para o Porto, percebeu que a guerra se ia decidir em Lisboa e embarcou as suas tropas, mas foi interceptado e preso pela marinha inglesa que bloqueava a barra do Douro. Sá da Bandeira, vindo do Alentejo com o mesmo objectivo, foi derrotado no Alto do Viso, em Setúbal, onde se lhe juntara o marquês de Melo. Foi obrigado pelos ingleses a render-se e acabou também preso. Acompanharam-no os seus leais amigos Vasco e Joaquim Guedes de Carvalho e Meneses.

Publicamos a seguinte relação dos Oficiais, Empregados Civis, e mais praças dos rebeldes de Setúbal, que nos consta existirem prisioneiros a bordo do vapor de guerra de Sua Majestade Britânica Sidon, surto no Tejo: Tenente General, Visconde de Sá da Bandei­ra; Brigadeiro, Marquês de Mello; Major, José Estevão Coelho de Magalhães; Tenente, Vasco Guedes de Carvalho e Menezes; Secretario Civil, Anselmo José Braamcamp; Joaquim Guedes de Carvalho e Menezes…” [iv]

A 14 de Junho entrou em Bragança o exército espanhol comandado pelo tenente-general D. Manuel de la Concha (Argentina 1808/Navarra 1874), que se distinguira na guerra civil espanhola entre liberais e absolutistas e era então capitão-general de Castela-a-Velha. Seguiu para Vila Real, donde enviou parte da força para o Minho, continuando com a restante para Amarante em direcção ao Porto.

“Do Norte sabemos que o General (D. Manoel) Concha entrara em Bragança no dia 14, e dispusera começar as suas operações no dia 18, deven­do avançar uma divisão sobre Vila Real, e outra sobre o Minho, para se pôr em comunicação com a divisão do Capitão General Mendez Vigo… Os povos recebem por toda a parte as tropas espanholas com a maior cordialidade,

como merecem por sua exemplar disciplina… Temos noticias do Norte do Reino, e por elas sabemos que as forças espanholas, que desde o dia 18 confluíam pelas pro­víncias de Trás-os-Montes e Minho sobre o Porto, se aproximavam daquela cidade, de­vendo ontem chegar a Valongo o General Concha.” [v]

Nas localidades mais importantes os espanhóis deixavam destacamentos para assegurar a ordem e tranquilidade pública. Ocupavam os quarteis e fortes e recolhiam as armas dos revoltosos. Mas em Manhufe não foram bem recebidos.

Deste lugar, não levaram boas recordações os soldados espanhóis de D. Manoel de la Concha, que num troço seguiam de Amarante para o Porto, e que por um desacato a uma das casas mais respeitadas da povoação, levaram uma sova tão severa, que mal tiveram tempo de correr sem interrupção até Amarante, onde se queixaram às autoridades portuguesas. É que o povo de Manhufe, além de não tolerar o desacato praticado, não via com bons olhos a intervenção dos espanhóis.” [vi]

Finalmente a paz foi alcançada com a Convenção assinada a 29 de Junho de 1847 na casa Branca de Gramido, junto ao rio Douro em Gondomar. 

“Tenente General D. Manoel de la Concha, Conde de Cancellada, e o Coronel Buenaga como representantes da Espanha, o Coronel Wilde como representante da Grã-Bretanha, o Marquês de Loulé, par do reino, e o General César de Vasconcelos, como representantes da Junta Provisória, reunidos em Gramido com o fim de concertar as necessárias medidas para dar pacífico cumprimento às resoluções das Potências Aliadas, concordaram em que a cidade do Porto se submeteria à obediência do Governo de Sua Majestade Fidelíssima [a Rainha de Portugal] com as condições estabelecidas nos 8 artigos que vão escritos no fim da acta…” [vii]

Os soldados revoltosos foram dispensados e receberam guias de marcha para as suas terras. Aos oficiais foi-lhes permitido conservar as espadas e cavalos e a todos, na generalidade, concedia-se passaporte para deixar o País, se assim o pretendessem. Mais tarde, uma amnistia geral ilibou-os de responsabilidades e permitiu o seu regressar à luta política.

Com a Guerra da Patuleia terminou um ciclo de revoltas militares violentas que desde 1820 assolavam o País e abriu-se o caminho, nem sempre fácil, da política substituir as armas.

Referências

[1] Padre Casimiro José Vieira – Nasceu a 4-3-1817 na casa de Rissondo, S. João Baptista do Mosteiro, Vieira do Minho, filho de Pedro António Vieira e Joaquina Gonçalves (ADB – Mosteiro – -1793/1821 fl. 174). 

    Foi o principal chefe das guerrilhas miguelistas que se organizaram no Minho durante a revolta da Maria da Fonte e Guerra da Patuleia, dizendo-se que chegara a ter às suas ordens trinta mil homens. 

   Intitulava-se General das Cinco Chagas e foi feito comendador da Ordem de S. Miguel da Ala por D. Miguel. Finda a Guerra da Patuleia, com receio da vingança dos liberais, refugiou-se na casa da Samoça, em Margaride, Felgueiras, do seu amigo, o brigadeiro realista António Joaquim de Barros Lima, onde se manteve oculto vários anos, até que, em 1857, obteve na Relação do Porto o livramento judicial dos processos que sobre ele pendiam. Dedicou-se depois a escrever uma memória da revolta da Maria da Fonte e cartas a correligionários e personalidades da época. Foi coadjutor da paróquia de Margaride, impulsionador do culto de Santa Quitéria e, na encosta do monte onde se encontra o santuário, promoveu a construção das oito capelas consagradas às oito mártires, irmãs da santa. Faleceu com oitenta anos, a 30-06-1895, no lugar de Pé do Monte, da mesma freguesia (ADP – PT-ADRPT-PRQ-PFLG20-003-0018-m0126)

[1] Diário do Governo nº 284 de 2 de Dezembro de 1846

[1] Luz Soriano, Simão José da, – Vida do Marquês de Sá da Bandeira – Volume II, pág. 253

[1] Sá da Bandeira, sendo governador do Algarve, teve a 24-4-1834, um combate com as tropas do general Cabreira em S. Bartolomeu de Messines. Estando em vias de ser derrotado e para animar as suas tropas “Sá da Bandeira …foi ousadamente meter-se de espada na mão entre as fileiras inimigas, sem consigo levar mais do que o seu arrojo…O resultado deste expediente foi o ir-se expor a cair nas mãos dos inimigos…evitando-lhe a desgraça de ficar deles prisioneiro um dos seus próprios lanceiros, que prontamente lhe acudiu, brigando com o maior valor com os que o cercavam…Entretanto não podemos deixar de mencionar que o arrojo do heroico lanceiro, libertador de Sá da Bandeira, indo ao centro dos inimigos resgatar o seu general, é digno da mais honrosa menção…” – Luz Soriano, Simão José da, – Vida do Marquês de Sá da Bandeira – Volume I, pág. 406/407 

[1] Diário do Governo nº 284 de 2 de Dezembro de 1846

[1] Castelo Branco, Camilo – Maria da Fonte, pág. 253

[1] Cabral, António – Camilo de Perfil, pág. 11

[1] Idem, pág. 12/13

[1] Ibidem, pág. 13/14

[1] Diário do Governo nº 293 de 12 de Dezembro de 1846

[1] Cabral, António – Camilo de Perfil, pág. 18/19

[1] O coronel Bernardino Soares de Moura, barão de Freamunde e comandante das forças a norte do Douro, descreveu João Nunes Borges, em carta de 7-3-1847 para o Conde das Antas, como “o realista mais doido que tem aparecido, não obedece a ninguém, e durante o tempo que comandou uma guerrilha, fez as maiores violências em Penafiel, que podia fazer o homem mais mau do mundo.” – DG nº 127 de 30 de Maio de 1848.

[1] Castelo Branco, Camilo – Maria da Fonte, pág. 17

[1] Idem, pág. 13/14

[1] Cabral, António – Camilo de Perfil pág. 19 e 24

[1] Castelo Branco, Camilo – Maria da Fonte, pág. 246

[1] Idem, pág. 29

[1] Diário do Governo nº 65 de 17 de Março de 1847

[1] Diários do Governo nº 139 e 142 de 15 e 18 de Junho de 1847

[1] Quadrupla Aliança – Tratado assinado em Londres a 22-4-1834 entre o Reino Unido, França, Espanha e Portugal com o fim de garantir regimes liberais nos reinos ibéricos, implicando, caso necessário, a intervenção militar desses países no estado ameaçado.

[1] Diário do Governo nº 143 de 19 de Junho de 1847

[1] Diários do Governo nº 147 e 149 de 24 e 26 de Junho de 1847

[1] Pinho Leal, Augusto Soares de Azevedo Barbosa de – Portugal Antigo e Moderno – Volume V, pág. 53

[1] Wikipédia

Fontes:

Diários do Governo de 1846 e 1847

Arquivo Histórico-Militar – Lisboa

Castelo Branco, Camilo – Maria da Fonte

Idem – Memórias do Cárcere

Cabral, António – Camilo de Perfil

Luz Soriano, Simão José da – Vida do Marquês de Sá da Bandeira – volumes 1 e 2

Vieira, Padre Casimiro José – Apontamentos para a História da Revolução do Minho em 1846 ou da Maria da Fonte

Noronha, Eduardo – José do Telhado

Saraiva, José Hermano – História de Portugal

Melo Ferreira, Maria de Fátima Sá e, – A Luta contra os cemitérios públicos no século XIX

Do autor deste artigo – Os Costas de Mancelos (em reformulação)

Wikipédia – Diversos artigos on-line

Crédito fotográficos:

Conde das Antas – Gravura de Jules-Constant Peyre (c. 1840) -Wikipédia

Vasco Guedes de Carvalho e Meneses – Geneall net

Conde do Casal- Geneall net

Camilo Castelo Branco – Portal da Literatura

Solar de Montalvão – Arquivo do autor

Capela de Santo Amaro – Idem

General Póvoas – Portal da História

César de Vasconcelos – Geneall net

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