Situada na UF de Aboadela, Sanche e Várzea, a Escola Básica do Marão criou, em 2019, o Labmar@o, no âmbito do qual foi aplicado e desenvolvido o conceito de “Future Classroom”, inserido no que é tido por “ambientes educativos inovadores”.
A Escola Básica do Marão, integrada no Agrupamento Teixeira de Pascoaes, situa-se numa zona deprimida, marcada por uma grande ruralidade e em acentuada perda de população. Em consequência o número de alunos que frequentam aquele estabelecimento de ensino diminui a cada ano letivo (eram 240 no anterior e são 229 no presente).
Essa diminuição não tem, porém, apenas a ver com o facto de a escola se situar numa zona rural e de montanha, mas também porque muitas famílias com morada na sua área de influência matriculam os filhos em escolas da cidade (Amarante), seja por preconceito ou porque ali têm a sua atividade profissional.
O edifício da EB do Marão foi construído na década de 1990, está em muito bom estado de conservação, oferece amplos espaços, interiores e exteriores, e boas condições pedagógicas. A escola tem um corpo docente estável e forte ligação à comunidade, com a valorização dos saberes e tradições locais (ver AQUI e AQUI).
Aquele estabelecimento de ensino é, por outro lado, em alguns aspetos, singular. É uma escola multicultural, acolhendo alunos que vieram de Angola, de Espanha, França, Paquistão ou Suíça e uma das poucas (eram 12 em 2016) escolas do ensino básico no país que tem em curso um projeto em que é desenvolvido o conceito de “Future Classroom” (Sala de Aula do Futuro), inserido no que é tido por “ambientes educativos inovadores”, vistos como propícios à utilização de novas metodologias de ensino, com recurso às tecnologias digitais.
O conceito de “Future Classroom” – lê-se na descrição do projeto que levou à construção do Labmar@o – foi criado em 2012, sob coordenação da European Schoolnet, com o propósito de desenhar uma nova proposta de organização do espaço e das práticas de sala da aula.
Na sustentação e justificação do Labmar@o estão evidências proclamadas por técnicos e especialistas em Educação, como as que se seguem.
“O nosso modelo escolar é do séc. XVIII e não está adaptado à realidade”
(Joaquim de Azevedo, 2016)
“Não faz sentido alunos do século XXI terem professores do século XX, com propostas teóricas do século XIX, da Revolução Industrial.”
(José Pacheco, 2016)
Ou um excerto de uma entrevista ao jornal Expresso de Andreas Schleicher, diretor do Departamento de Educação e Competências da OCDE e responsável máximo pelos testes PISA, em 30 de abril de 2016.
“As escolas portuguesas – constatava aquele responsável – ainda não fizeram a transição do ensino do século XX para o século XXI. […] Há uma geração, os professores tinham a expectativa de que o que ensinavam aos alunos seria válido ao longo de toda a vida. Hoje, as escolas têm de preparar os estudantes para uma mudança socioeconómica mais rápida do que alguma vez foi, para empregos que ainda nem sequer foram criados, para usar tecnologias que ainda não existem e resolver problemas que ainda não sabemos que vão surgir”.
E acrescentava: “O sucesso educativo já não reside maioritariamente na reprodução de conteúdos, mas na extrapolação daquilo que sabemos e na sua aplicação criativa a situações novas. Ou seja, o mundo já não recompensa as pessoas apenas por aquilo que sabem — o Google sabe tudo — mas por aquilo que conseguem fazer com isso. Logo, a educação tem cada vez mais que ver com o desenvolvimento da criatividade, do pensamento crítico, da resolução de problemas e da tomada de decisões; e com formas de trabalho que implicam comunicação e colaboração. Se passarmos toda a nossa vida fechados numa única disciplina, não conseguiremos desenvolver as competências para perceber de onde virá a próxima grande invenção.”
No projeto Labmar@o, criado tendo como desígnio “Inovar na sala de aula com Pedagogia, Espaço & Tecnologia (PET)” considera-se que “os espaços de aprendizagem devem ser cada vez mais versáteis e adaptáveis, permitindo utilizações diversificadas e moldáveis às diversas metodologias de ensino. A sua conceção deve incluir equipamentos e ferramentas que permitam o acesso a diversas fontes de informação, permitindo aos alunos uma participação direta no seu processo de aprendizagem, contextualizado pela realidade social e tecnológica, dando maior sentido às aprendizagens e tornando-as mais significativas”.
E foi assim que, impulsionada pela Professora Ana Baptista – 56 anos, Embaixadora Digital no Centro de Formação da Associação de Escolas de Amarante e Baião, docente de TIC e Cidadania no Agrupamento de Escolas Teixeira de Pascoaes – foi inaugurado em 2019, a Sala de Aula do Futuro da EB do Marão, distribuída por vários espaços interligados, designados de áreas: INVESTIGAR, CRIAR, DESENVOLVER, PARTILHAR, INTERAGIR e PUBLICAR.

“A transformação pedagógica exige uma mudança de mentalidade, não apenas entre os professores, mas também entre parceiros, pais e alunos”.

AMARANTE MAGAZINE visitou a Sala de Aula do Futuro da EB do Marão e falou com a Professora Ana Baptista.
Como caracteriza, em termos gerais, a Sala de Aula do Futuro?
O Labmar@o representa uma evolução do conceito tradicional de sala de aula, ao aliar o uso de tecnologias avançadas com práticas pedagógicas inovadoras, de modo a preparar os alunos para o desenvolvimento de competências como o pensamento crítico, a resolução de problemas, a criatividade, a colaboração, a comunicação e literacia digital.
É um espaço que está equipado com mobiliário ergonómico, com recursos tecnológicos como quadros interativos, tablets, computadores portáteis, robots e acesso à internet, com uma sala multimédia equipada com projetores de luz, câmara de vídeo ou fotografia com tripé, Chroma key, permitindo o uso de ferramentas multimédia, software educativo, programação e robótica, realidade aumentada, entre outras.
Nesta sala, o professor é convidado a usar abordagens pedagógicas centradas no aluno, como a Aprendizagem Baseada em Projetos, a Gamificação, a Sala de Aula Invertida, a Rotação por Estações, a Aprendizagem por Pares, de forma a promover um maior envolvimento e autonomia dos alunos.
A disposição física da sala é adaptável, com móveis modulares e a criação de espaços colaborativos que facilitam a interação e a colaboração entre alunos e professores, além de permitir diversas outras configurações de ensino.
“(…) há uns anos atrás, a falta de uma rede de internet de alta qualidade limitava o uso pleno das ferramentas digitais. Quando a internet estava instável ou lenta, isso dificultava a realização de atividades online, como o uso de plataformas interativas, videoconferências ou pesquisas em tempo real. Um outro aspeto crítico no início foi a falta de formação adequada dos professores para o uso das novas tecnologias e metodologias ativas o que constituiu um grande desafio”.
Que impacto tem tido, nas aprendizagens, a criação de uma Sala de Aula do Futuro na EB do Marão? Está assegurada a continuidade do projeto?
A criação de uma Sala de Aula do Futuro na EB do Marão tem tido impactos significativos nas aprendizagens, com diversos benefícios observados ao nível de maior motivação e envolvimento dos alunos nas atividades propostas, dado que o uso de tecnologia e de metodologias ativas tornam as aulas mais dinâmicas e interativas, o que aumenta o interesse e o envolvimento dos alunos. Depois é inegável o desenvolvimento de competências digitais nos alunos, essenciais no mundo em que vivemos, como o uso de dispositivos digitais, plataformas online e softwares educativos. Também a disposição da sala e o enfoque no trabalho colaborativo tem fortalecido a capacidade de comunicação, cooperação e trabalho em equipa entre os alunos. Os alunos que apresentam necessidades individuais beneficiam de uma aprendizagem mais personalizada, porque através do uso de ferramentas digitais, os professores conseguem adaptar o ensino aos alunos. O recurso às metodologias ativas incentiva os alunos a serem mais autónomos, a pensarem criticamente e a desenvolverem a capacidade de resolver problemas, competências fundamentais para o seu futuro académico e profissional.
Quanto à continuidade do projeto, essa depende de vários fatores, incluindo de uma boa manutenção dos recursos tecnológicos e do acesso à internet, mas também da formação contínua dos professores na área da capacitação digital para conseguirem integrar novas ferramentas e metodologias nas disciplinas que lecionam. No entanto, a continuidade do projeto é vista como prioritária devido aos impactos positivos observados nas aprendizagens e no ambiente escolar.
Há algum aspeto critico que tenha condicionado a implementação da Sala de Aula do Futuro da EB do Marão, a infraestrutura de comunicação, por exemplo, ou outro?
Houve dois aspetos críticos: há uns anos atrás, a falta de uma rede de internet de alta qualidade limitava o uso pleno das ferramentas digitais. Quando a internet estava instável ou lenta, isso dificultava a realização de atividades online, como o uso de plataformas interativas, videoconferências ou pesquisas em tempo real. Um outro aspeto crítico no início foi a falta de formação adequada dos professores para o uso das novas tecnologias e metodologias ativas o que constituiu um grande desafio. O Agrupamento disponibilizou ações de formação e tempo para a capacitação digital dos professores, pois mesmo com uma sala bem equipada, se os professores não souberem como integrar as ferramentas digitais nos seus métodos de ensino, o impacto seria muito mais limitado.
“(…) a realidade é que muitos professores estão familiarizados com a tecnologia básica, mas as Salas de Aula do Futuro exigem um conhecimento mais profundo de ferramentas específicas, como plataformas de aprendizagem, softwares educativos e metodologias de ensino ativas. Professores e escolas precisam de tempo e apoio institucional para esta transição, para que possam realmente aproveitar o potencial das Salas de Aula do Futuro.”
No projeto que enquadrou a criação da Sala de Aula do Futuro da EB do Marão citam-se Joaquim Azevedo, que considera que “o nosso modelo escolar é do século XVIII e não está adaptado à realidade”; e José Pacheco que escreveu que “não faz sentido alunos do século XXI terem professores do século XX, com propostas teóricas do século XIX, da Revolução Industrial”. Do conhecimento e experiência que tem, acha que que, globalmente, os professores estão preparados para potenciarem as salas de aulas do futuro? E as Escolas Superiores de Educação estão a formar os professores do futuro?
Embora haja esforços significativos para preparar professores para estes Ambientes Educativos Inovadores – prova disso foi a forte aposta feita, nos últimos anos, na capacitação digital dos professores e o investimento em tecnologia e conectividade para alunos e professores – a realidade é que muitos professores estão familiarizados com a tecnologia básica, mas as Salas de Aula do Futuro exigem um conhecimento mais profundo de ferramentas específicas, como plataformas de aprendizagem, softwares educativos e metodologias de ensino ativas. Professores e escolas precisam de tempo e apoio institucional para esta transição, para que possam realmente aproveitar o potencial das Salas de Aula do Futuro
As ESEs, responsáveis pela formação inicial de professores, estão cada vez mais conscientes da necessidade de preparar os futuros docentes para um cenário educativo digital e inovador, mas ainda há um longo caminho a percorrer para formar consistentemente os professores do futuro que Joaquim Azevedo e José Pacheco defendem.
Quanto tempo terá de passar, em sua opinião, para que todas as salas de aula sejam “ambientes educativos inovadores”? É possível concretizar esta distopia com a arquitetura dos atuais estabelecimentos de ensino?
A transição para que todas as salas de aula se tornem “ambientes educativos inovadores” é um processo complexo e depende de diversos fatores, desde a disponibilidade de recursos até a transformação pedagógica e institucional.
É difícil estimar com precisão quanto tempo será necessário, porque há que fatores que influenciam o ritmo dessa mudança: por um lado, porque a tecnologia continua a evoluir rapidamente e é necessário acompanhar essas inovações. A adaptação do corpo docente e das infraestruturas levará tempo, dependendo da prioridade dada pelas escolas. A tecnologia hoje está nas escolas, a formação adequada dos professores é essencial para transformar a sala de aula num ambiente inovador e este processo pode levar várias gerações de professores a adotar novas práticas e ferramentas de ensino. A transformação pedagógica exige uma mudança de mentalidade, não apenas entre os professores, mas também entre parceiros, pais e alunos. Essa mudança cultural pode ser um dos maiores desafios, pois os sistemas educativos são muitas vezes conservadores e resistentes à mudança. A arquitetura dos estabelecimentos de ensino atuais, especialmente das escolas construídas no século XX, nem sempre está preparada para suportar a visão de ambientes educativos inovadores, no entanto, com vontade e esforço, é possível adaptar muitos dos espaços existentes nesses edifícios ou fazer reformas graduais, como a que foi feita na EB do Marão, para atingir esses objetivos.
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