Será que Deus me vai deixar criar a minha filha?

Catarina Raquel Pinto Ribeiro tem 37 anos e uma filha com 10. Trabalha na Escola EB 2,3 de Vila Caiz, depois de ter estado ligada à produção têxtil. É uma mulher muito bonita, comunicativa, de sorriso fácil e percebe-se-lhe um enorme gosto em viver. Durante a conversa que teve com AMARANTE MAGAZINE havia de confessar-nos que o cancro mudou a sua perspetiva de vida: hoje, valoriza mais as pequenas coisas e saboreia cada minuto que passa.

Catarina descobriu que tinha cancro através de uma ecografia mamária de rotina. A mãe tinha morrido de cancro, muito nova, aos 47anos, o que a deixou traumatizada. Por isso, decidiu que, depois dos trinta anos, queria ser vigiada regularmente para prevenir eventuais situações análogas e perceber se haveria alguma predisposição genética para poder vir a contrair a doença.

Não obstante fazer palpação regularmente, Catarina nunca tinha sentido algo de anormal nos seus seios. Porém, o médico que lhe fez o exame diagnosticou-lhe, de imediato, um pequeno tumor na mama esquerda, “do tamanho de um grão de milho”, dizendo-lhe que “era para tirar”, como recorda. “Então é grave, doutor?”, perguntou Catarina. “É para tirar”, repetiu o médico.

“Naquele momento, caiu-me tudo. Tinha passado por uma situação muito difícil com a minha mãe, que agora iria voltar a viver, sendo eu a protagonista. Fiquei de rastos, sobretudo por causa da minha filha que, à altura, tinha apenas 6 anos”, diz Catarina, que não conseguia imaginar como iria encarar a operação, fazer os tratamentos e poder continuar a tratar da filha, sem que a menina se apercebesse da situação.

A biópsia viria a confirmar tratar-se de um tumor maligno e Catarina teria que ser operada e fazer os correspondentes tratamentos de quimio e radioterapia. A operação decorreu pouco mais de um mês depois da deteção (em agosto de 2013) e, para além da retirada do tumor, foram-lhe também removidos cinco gânglios ainda não infetados.

Seguiram-se os tratamentos, com quatro ciclos de quimioterapia e 25 sessões seguidas de radioterapia. Para Catarina, aqueles 25 dias foram o pior período por que passou e foi-se abaixo psicologicamente. Como ela, havia outros pacientes (mulheres, homens e crianças) que, na sala de espera, aguardavam a chamada para o tratamento, no seu caso de apenas sete minutos de duração. Enquanto esperava, Catarina olhava o rosto dos outros e percebia quais deles, daí a dias, já não estariam lá. E questionava-se se a sua vez também chegaria. Nessas alturas, o pensamento era inevitável: “será que Deus não me vai deixar criar a minha filha?”

Catarina recorreu ao apoio de uma psicóloga e, com a sua ajuda, passou a evitar “maus pensamentos, sobretudo à noite, na cama, quando o sono tarda e tudo nos vem à cabeça. Com o tempo aprendi a fechar a gaveta das coisas más e a pensar nas boas”, conta Catarina, que, em dias menos bons, chegou a questionar-se se não seria melhor tirar os dois peitos, para não estar sujeita a uma recidiva.

Como acontece com todas as mulheres com cancro da mama, a dada altura o cabelo de Catarina começou a cair. Antes que Letícia, a filha, a interrogasse, disse-lhe que ia cortar o cabelo, “que ficaria muito pequenino”. Como o tinha muito comprido, cortou primeiro um palmo, depois outro, e, por fim, quando a queda se acentuou, explicou a Letícia que o melhor era rapá-lo. Apesar de ter comprado uma peruca, Catarina nunca chegou a usá-la. Assumiu a “careca” e fez-se fotografar, sem cabelo, como se de um modelo se tratasse.

Letícia sabia que a mãe estava doente, mas, com sete anos, não tinha noção do que é um cancro e das implicações da doença. O que ela sabia era que não queria continuar filha única, queria ter um irmão. E ficou desiludida quando, um dia, ouviu a mãe dizer que, em consequência do tratamento que teria de fazer ao longo de cinco anos, não poderia engravidar. O cancro obrigou os médicos a provocarem a menopausa a Catarina, que muito dificilmente voltará a ter período, embora lhe vão dizendo que “uma coisa de cada vez. Logo se verá”.

O cancro mudou a perspetiva de vida de Catarina, que passou a ver as coisas simples de forma diferente, a valorizar os detalhes, o que anteriormente lhe passava despercebido: “o vento, o pingo da chuva, as árvores, a água do mar, o sol. Antes, encarava como naturais, normais, coisas que, agora, acho que são uma dádiva: poder levantar, caminhar, ter autonomia… Percebi isso pelas limitações que os tratamentos me causaram. Hoje, quando tenho dias menos bons e fico triste, tento mudar o pensamento e agradeço o facto de estar viva. É uma bênção estar viva!”, sublinha.

Catarina foi operada há três anos, está dentro do período crítico em que pode ter uma recidiva, e cumpre escrupulosamente os tratamentos que lhe foram prescritos: um comprimido diário, uma injeção mensal e vigilância constante. É uma mulher confiante, muito simpática, bonita e feliz e continua a ter bem fechada a gaveta das coisas más. A única que a faz lembrar-se que teve cancro é uma menopausa precoce que lhe inunda o corpo de calor. E que a pode impedir de cumprir o desejo de Letícia.

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