Mia Couto: as origens familiares de Vila Caiz

Milhões de pessoas no mundo inteiro sabem que Mia Couto é o nome literário de um laureado escritor de língua portuguesa, nascido em Moçambique em 1955, com vários prémios recebidos.

Estão entre esses prémios: (1995 – Prémio Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos;1999 – Prémio Vergílio Ferreira, pelo conjunto da sua obra; 2001 – Prémio Mário António, pelo livro O último voo do flamingo; 2007 – Prémio União Latina de Literaturas Românicas; 2007 – Prêmio Passo Fundo Zaffari e Bourbon de Literatura, na Jornada Nacional de Literatura; 2012 – Prémio Eduardo Lourenço 2011; 2013 – Prémio Camões 2013; 2014 – Neustadt International Prize for Literature) e traduzido em vinte e duas línguas.

Muitos outros, contudo menos, sabem que o seu pai, Fernando Leite Couto, nasceu em Rio Tinto. Também ele foi um distinto homem de letras, com vários livros publicados de poesia e prosa, jornalista, professor de jornalismo e editor.

Porém, poucos saberão que os avós paternos de Mia Couto são naturais de Vila Caiz. De facto, de António Emílio Leite Couto, verdadeiro nome de Mia Couto foi sua avó paterna Laurinda Leite, nascida em Vila Caiz em 1.3.1892, filha de Manuel Justino Leite (nascido em Carvalhosa, Marco de Canavezes) e de Florinda Rosa, filha de Bento Monteiro e de Maria Rosa, todos nascidos em Vila Caiz. E foi seu avô paterno António Luís Couto, nascido no lugar do Cruzeiro, em Vila Caiz, em 12.2.1893, sendo bisavós do autor de Terra Sonâmbula, Teotónio Luís Moreira (nascido em Salvador, Amarante), filho por sua vez de Luís Moreira e Maria Joaquina, naturais de Vila Caiz. A consorte do Teotónio foi Florinda Rosa Couto, filha de Joaquim Pinto Couto e este de João Couto e Violante Maria, todos de Vila Caiz e que do grande escritor são, portanto, tetravós.

O consórcio entre os «Couto» e os «Leite» -e que integram o nome do escritor – dá-se em 1920 pelo casamento da sobredita Laurinda com António Luís Couto, soldado várias vezes distinguido na Primeira Guerra Mundial. Moravam até aí, porta com porta, no lugar do Cruzeiro. Ela na casa que é hoje propriedade de uma filha de Adriano Cerqueira e ele defronte, do outro lado da rua da Feitoria. Os santos da porta – como acontece não raras vezes em questões de amor – fizeram o milagre do casamento entre ambos. O certo é que o casal partiu, pouco depois, para Rio Tinto em busca de um futuro melhor. Ali lhe nascem já os filhos, um dos quais Fernando Leite Couto, pai de Mia, acima referido, de fino trato e apurada sensibilidade; dele tive, nos últimos anos da sua vida, a honra e o proveito de uma correspondência à moda antiga, por cartas regulares vindas de Moçambique onde se radicou em 1950. Faleceu em Janeiro de 2013 aos 88 anos.

Em Vila Caiz residem cerca de uma vintena de pessoas que mantêm o apelido «Leite» e número semelhante de pessoas com o de «Couto». São todos parentes – e porventura não o saberiam até há pouco – do autor dos saborosíssimos Contos Abensonhados. Aliás, os «Leite» partilham com eles aqueles olhos azuis safira, da mesma forma que ele partilha com seu tio-avô Joaquim Leite (que residiu em Vila Caiz nos princípios dos anos 20 do século passado e cuja memória ainda se perpetua) a imaginação prodigiosa, a «invencionice» mirabolante que fez dele o imorredoiro rei dos «mentirosos». Desse tio falei eu a Mia.

No quadriénio 2006-2010, a Assembleia de Freguesia de Vila Caiz aprovou, por unanimidade, a atribuição do nome de Mia Couto ao antigo Largo do Cruzeiro. Um memorial, perpetua ali, bem perto do local onde residiram os seus avós, o seu nome. Em 17 de Junho de 2010, Mia Couto pisou pela primeira vez a Terra que foi dos seus antepassados e fez questão de fotografar a casa que vai para um século, serviu de lar aos «Leite» por muitas gerações.

Tive a honra de o receber em minha casa e de lhe servir de cicerone pela freguesia. Já no fim da visita ele pôde ver com os seus próprios olhos o memorial em granito que assinala o Largo com o seu próprio nome. E ali também, já na presença do Presidente da Junta, Dr. António  Ricardo, de Abílio Carlos e do Professor João Queiroz Pinto, então Director da EB 2 de Vila Caiz, prometeu voltar um dia.

Sabemos bem que Mia Couto, sendo embora um escritor universal é, antes de mais, moçambicano; como melhor diz dele outro vulto das letras – José Craveirinha – «pés, mãos, cabeça e coração se salgam e iodizam no Mar Índico mas… em Moçambique». Por outro lado, porém, se como diz Ortega e Gasset cada um é ele próprio e a sua circunstância, então, algo nele (Mia), desse tempo e deste espaço- o tempo de seus avós e o espaço daquela que foi a sua Vila Caiz- hão-de ser constitutivas de si. Importa mais, porém, pensar que quem esteve presente nesta inesquecível jornada foi, não tanto o literato Mia Couto, mas o António Emílio Leite Couto, num encontro com as suas inelutáveis raízes. Foi também uma ponte mais que se estabeleceu entre o Atlântico e o Índico e, mais do que isso, um abraço, se bem vi, emocionado entre a nossa Terra Natal – Vila Caiz – e a sua: Moçambique.

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