O Sapateiro do Mercado

Há cinco anos que Carlos Queirós tem uma loja, no Mercado Municipal de Amarante, onde conserta calçado e faz sapatos por medida. A estes seis anos, soma mais 20, tempo em que esteve numa outra loja, na freguesia da Madalena, também em Amarante. Mas, a estes 25 anos ainda se somam mais 12, o que perfaz os 37 anos que tem já dedicados à profissão de sapateiro que, refere, estar-lhe “no sangue”.

Tem 50 anos e desde os 13 trabalha nesta arte que aprendeu com o pai. “Nós somos dez irmãos, e, naquela altura, tínhamos de ajudar todos. Depois das aulas, ganhei o hábito de ir ajudar o meu pai, que era sapateiro. Trabalhei também com outro senhor, que me foi ensinando mais algumas coisas. Depois disso, ainda voltei a trabalhar com o meu pai, até ele falecer. Mas foi ele quem me ensinou grande parte desta arte, que convém que se aprenda desde pequeno, para se lhe poder ganhar o gosto e poder desenvolvê-la”, reconhece, a Amarante Magazine, Carlos Queirós.

Apesar dos tempos vanguardistas, e para além dos tradicionais consertos, Carlos Queirós faz sapatos de forma artesanal, (“com material de qualidade”), diz o que lhe tem trazido muitos clientes e, igualmente, muitos elogios. “Também faço artesanato. Faço sandálias, principalmente. As pessoas podem trazer-me fotografias de um modelo de sandálias que gostem, e eu faço igual”, garante o sapateiro.

Habitualmente, só faz sandálias, mas se um cliente lhe pedir para fazer botas ou sapatos, Carlos Queirós não diz que não, e garante fazer o trabalho “sempre com o mesmo empenho e dedicação”. 

O processo parece simples, mas, afinal, fazer sandálias por medida exige sempre jeito e arte. ”Começo por fazer a palmilha, por exemplo de tamanho 38, em cartolina ou em papel, e corto. No caso de ser a ‘sandália de cristo’, como lhe costumo chamar, faço primeiro a palmilha; depois, faço uns cortes em cima e no peito do pé. De seguida, é só fazer a tira, e a montagem, para a qual tenho uma forma. Colo a palmilha e coloco na máquina da prensa, e está a sandália pronta”, explica, e garante: “Dá-me muito gosto fazer o calçado assim, manualmente. Muito mais do que consertar o calçado. E fico muito contente quando consigo fazer, exactamente, aquilo que o cliente quer. Depois, dão-me os parabéns. E eu fico feliz, por isso. E até me fazem publicidade à casa. Todos os anos, tenho gente que vem cá recomendada por algum cliente meu. Depois, já vêm fazer para o pai, para a mãe, para o irmão, para a prima”. 

Uma vez que trabalha sozinho, o tempo acaba por ser o seu maior inimigo, como reconhece, ainda que de uma forma bem-humorada, sendo esta uma das suas principais características. “Quando o volume de trabalho é muito, tudo fica mais complicado. Estando sozinho, demoro mais a fazer os sapatos, artesanalmente. E, quando os clientes me começam a pressionar, por causa dos prazos de entrega, eu faço como os políticos: vou mentindo, para prolongar um pouco mais a entrega”, responde, com o humor e sorriso que lhe são característicos.

Ainda assim, na época de verão, Carlos consegue ter um pouco mais de tempo livre, para fazer sapatos, fruto de haver menos consertos para fazer. Facto para o qual também dá uma explicação lógica: “As pessoas, de verão, andam mais de chinelos e sandálias, portanto, faço menos consertos, ou pelo menos são coisas mais rápidas, e fico com mais tempo livre para me dedicar ao artesanato”. 

O preço base de uma sandália feita artesanalmente é de 17,50 euros. Depois, conforme o modelo, pode custar um pouco mais. “Quanto mais simples, mais barato fica. Mas os clientes não reclamam, até porque lhes dou garantia de dez anos, aos 100 mil quilómetros”, responde, novamente com humor.

Em média, no verão faz uma média de 60 pares de sandálias. “Quase todos os dias, tinha encomendas. Quando são encomendas grandes, tenho de me precaver com o tempo, uma vez que trabalho sozinho. Se me encomendam dez ou 20 pares, de hoje para amanhã, é claro que não consigo fazer, diz. A nível de materiais, Carlos Queirós utiliza couro e borracha, porque põe em primeiro lugar a qualidade, sendo a sua maior preocupação fazer artigos com qualidade. “Sei que, por essa razão, as pessoas também valorizam o meu trabalho”, salienta. 

E a concorrência incomoda-o? “Nada! Até é bom que haja, para as pessoas poderem ir vendo as diferenças. Eu só uso couros”, realça. E são, precisamente, os restos que vão sobrando destes couros que são reaproveitados por Carlos, para fazer porta-chaves. Dos bocadinhos das palminhas e do couro que vão sobrando, vai fazendo uns porta-chaves em forma de sandálias, de diversas cores e modelos. No fundo, são uma reprodução fiel dos tamanhos grandes, e têm sempre muita saída. “As pessoas acham-lhes graça”, conta.

Como explica, estas mini sandálias podem mesmo servir de lembranças para o dia do pai ou da mãe, nas quais as pessoas podem escrever, com um marcador, qualquer coisa nas solas destas sandálias. “Já me aconteceu, até, pedirem-me para fazer sandálias em tamanho grande, a partir de um modelo destas pequenas do qual gostaram”, partilha. Para além destes porta-chaves, o sapateiro também aproveita o material que sobra para fazer ganchos para o cabelo.

Por ter seguido a arte do pai, e por gostar tanto do que faz, Carlos Queirós confidencia que também gostava que o seu único filho seguisse as suas pisadas. “Mas com a idade que tem, já não lhe apanha o gosto. E, por agora, tem é de estudar. Os tempos são outros”, reconhece.

Apesar de trabalhar desde tenra idade, Carlos não se vê a fazer outra coisa: “Se tivesse de trabalhar noutra área, não sei como seria. Esta arte já me está no sangue. Não aprendi outra arte, senão esta. E espero trabalhar ainda por muitos anos”.

Por se ter dedicado a esta profissão, e por ainda a manter, mesmo nos tempos vanguardistas que correm, considera que o pai se sentiria orgulhoso dele, caso estivesse vivo. “Se o meu pai estivesse cá, acho que estaria orgulhoso do meu trabalho. Fui o único que lhe segui a arte”, realça.

Orgulho demonstra, igualmente, nos sapatos que faz. “Os sapatos assim feitos, artesanalmente, por medida, têm outro valor. Como já disse a alguns clientes que escolhem determinados tipos de sandália, ficam ali com um modelo exclusivo. Não há igual no país”, menciona, sorrindo.  

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