Claudino Silva: no 25 de Abril senti euforia, mas também receio

Foto: de Paulo A. Teixeira

José Claudino da Silva nasceu em Penafiel em 1950. Serviu nas forças armadas portuguesas entre 1972 e 1974, em Fulacunda, na então Guiné Portuguesa. Chapeiro automóvel de profissão, entretanto passado à reforma, é conhecido e reconhecido em Amarante pela fundação do Bosque dos Avós, um projeto de reflorestação lançado em 2018, em terrenos dos Baldios de Aboadela, na Serra do Marão. É autor de vários livros, nomeadamente “O puto de Senradelas – Um Percurso ao Acaso”, apresentado em Amarante em janeiro deste ano.

Numa manhã que despontava com a promessa de mudança, o 1º cabo condutor José Claudino da Silva acordou com uma notícia que lhe despertou um turbilhão de emoções. A 25 de abril de 1974, enquanto o mundo ainda dormia, uma revolta militar eclodia em Lisboa, ecoando até ao coração da então Guiné Portuguesa, onde se encontrava ao serviço da 3ª Companhia do Batalhão 6520 de 1972.

“Confesso que senti uma grande euforia, de que tudo acabara para mim, mas não sem uma sombra de receio”, afirmou a AMARANTE MAGAZINE. Aos 74 anos, este antigo chapeiro automóvel de Penafiel recorda-se bem daquele dia, numa altura em que enfrentava represálias por ter expressado críticas às chefias militares numa publicação interna, editada em finais de 1973.

O medo de retaliação por mostrar contentamento com a revolta era palpável, recorda. “Outras tentativas de revolta, anteriores ao 25 de abril de 1974, fracassaram. E naquela altura estava a ser castigado pelas minhas palavras“, frisa.

Aquele já era um tempo de abalar convicções para o jovem cabo que, no início da sua carreira, se considerava um “militarista”, crente nas razões que o levaram a Fulacunda, bem no interior da Guiné. “Fui para lá convencido que ia defender Portugal”, recorda. 

Contudo, a sua fé começou a desvanecer a partir de 1973.

Naquele ano, o assassínio de Amílcar Cabral, líder do movimento independentista PAIG, e a subsequente declaração unilateral de independência daquele país semearam dúvidas sobre o seu papel no conflito. “Houve uma altura em que comecei a questionar a legitimidade da nossa presença na Guiné, quando vivíamos cercados por arame farpado, num país reconhecido e independente”, confessa.

Em junho de 1974, Claudino da Silva regressou a Portugal após receber notícia da morte da mãe. “Deixei a minha G3 num canto da cantina e trouxe comigo apenas o essencial: a farda, fotografias, algum dinheiro e as cartas da minha namorada.” E acrescenta:

“Só quando chego a Lisboa é que finalmente percebo que [a guerra] acabou para mim, que já não havia volta a dar”.

Claudino Silva, na Guiné, durante a guerra colonial.

Mil cartas e aerogramas para memória futura

Ao longo dos dois anos de serviço militar, José Claudino da Silva escreveu cerca de mil cartas, a maioria para a namorada, mas também para a família e amigos. “Temia esquecer-me de alguém. Com a distância, pouco a pouco começamos a esquecer”, explica. Essa correspondência ainda a tem hoje, meticulosamente anotada e organizada num mapa escrito à mão.

Mantém um álbum dos seus escritos, incluindo os que publicou em “O Serrote”, uma publicação informativa que editou com vários colegas. Noutro álbum guarda inúmeras fotografias da sua passagem por África.

Este material serve de base a um livro que está a escrever sobre as suas experiências e memórias da guerra colonial, um volume que, revela, não pretende publicar. “Tudo isto é um legado para a minha neta, para que fique a saber quem era o avô e o que ele passou.”, justifica.

E conclui com uma reflexão: “Ao longo destes 50 anos, vivi tantas vicissitudes. Nasci e cresci numa condição humilde, mas sempre em evolução. E ainda continuo a evoluir, graças ao 25 de abril de 1974”.

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