D. Mafalda de Sabóia: uma Rainha no Baixo Tâmega

Nascida em Sabóia, em data incerta por volta de 1125, D. Mafalda era filha dos Condes de Sabóia, Aosta e Maurienne, Amadeu III e Mafalda de Albom. D. Mafalda era ainda sobrinha da rainha de França, Adelaide de Sabóia, casada com Luís VI e sobrinha-neta do papa Calisto II.

Embora se desconheçam os pormenores que desencadearam o enlace da jovem cortesã com o rei de Portugal, D. Afonso Henriques, poder-se-á especular que esta ligação terá servido para reforçar os intuitos independentistas dos infanções portugueses, uma vez que assim Portugal reforçava a sua ligação à Borgonha (à data incorporada no Condado de Sabóia), região de onde provinha o Conde D. Henrique, pai de D. Afonso Henriques, casado com D. Teresa de Leão. Este casamento permitiria afastar ainda mais a aristocracia portuguesa da leonesa e das suas influências peninsulares, contribuindo para o fortalecimento da soberania de Portugal e, simultaneamente, granjear o apoio de outros reinos europeus.   

Os esponsais ter-se-ão realizado entre os anos de 1145 e 1146, sendo deste último o primeiro documento que atesta D. Mafalda em território português, mais concretamente a confirmação de uma doação efectuada por D. Teresa à Ordem de Cister, lavrado a 23 de Maio.

Da união de D. Mafalda com D. Afonso nasceram 7 infantes, se bem que apenas 3 atingiram a vida adulta. D. Urraca, futura rainha de Leão; D. Teresa, futura condessa da Flandres e D. Sancho, que viria a ser o 2º Rei de Portugal. Os infantes que não atingiram a idade adulta eram: D. Henrique Afonso, falecido em 1155, com apenas 8 anos; D. Mafalda Afonso que morreu em 1164, aos 11 anos; D. João Afonso, que falece também com 11 anos, em 1167; e D. Sancha Afonso, que morreu em 1167, com 9 anos de idade.   

Enquanto rainha consorte, D. Mafalda terá permanecido grande parte do seu tempo no Paço das Alcáçovas em Coimbra (actual edifício da Universidade de Coimbra), havendo inclusive registo de algumas das suas vivências. Sabe-se que era presença assídua nas cerimónias religiosas do Mosteiro de Santa Cruz, por vezes acompanhada pelo rei. Sabe-se também que mantinha diálogo com o primeiro prior do mosteiro, Teotónio, futuro S. Teotónio[1], amigo e conselheiro de D. Afonso, com qual são conhecidos alguns atritos. Segundo as memórias do Mosteiro de Santa Cruz, S. Teotónio não permitia que a rainha franqueasse os claustros sempre que o desejasse. No entanto, a relação entre ambos era, na generalidade, amistosa e Teotónio assistia e confortava espiritualmente D. Mafalda durante os seus difíceis partos.  

Embora Coimbra tenha siso a morada habitual de D. Mafalda, esta deslocar-se-ia com alguma frequência à Região do Baixo Tâmega, onde detinha tinha alguns dos seus domínios, nomeadamente a Aldeia de Mexide, em Vila do Bispo; parte da Aldeia de Paços, em Fandinhães; dois casais em Mourilhermo, 3 em Veiga, no Concelho de Marco de Canaveses, e 1 em Duas Igrejas – Penafiel. Consta, ainda, que a Vila de Canaveses lhe terá pertencido. 

Consta, ainda, que D. Mafalda terá fundado outra albergaria no actual perímetro urbano da Cidade de Amarante, a Albergaria do Covelo do Tâmega (na Rua 31 de Janeiro). No entanto, não existe qualquer prova documental que a confirme, apenas a sua memória. Embora seja provável, atendendo à rede de apoio estabelecida desde Porto de Rei – Lamego, com albergarias em Moledo, Canaveses e Amarante. 

As suas deslocações ao Baixo Tâmega também se justificam pelo facto de ser nesta região que residiam algumas das mais importantes famílias do reino, entre eles os Ribadouro e os Sousões, aos quais, para além das funções desempenhadas na Corte, eram ainda os aios e tutores dos infantes. Por exemplo, D. Teresa Afonso de Celanova, esposa de Egas Munis, que foi a nutrice dos infantes Sancho e Urraca. Recorda-se que à época, os infantes residiam nas casas dos seus aios e não com os pais, só voltando para o Paço Real já na segunda infância.     

Ao longo do seu reinado, D. Mafalda teve especial atenção em facilitar a transposição de rios e no estabelecimento de vias de comunicação, tendo para tal criado duas barcas entre Moledo (Lamego) e Porto de Rei (Peso da Régua), no Rio Douro. Nas suas margens, mandou, ainda, edificar uma albergaria, a Albergaria de Moledo. Em Mesão Frio, terá ainda sido responsável pela construção da desaparecida Ponte de Barqueiros. No Marco de Canaveses, consta que terá ordenado a construção da Ponte de Canaveses, instituindo próximo dela, junto ao seu Paço de Canaveses, uma albergaria, dotando-a de algumas rendas para custear os encargos de funcionamento que os seus sucessores mantiveram e confirmaram, designadamente, D. Dinis, D. Afonso IV e D. Pedro I. 

Embora as barcas e as pontes fossem taxadas, a travessia para pessoas sem mercadorias era isenta de pagamento e se, porventura, o barqueiro exigisse qualquer tipo de pagamento, incorria numa coima ou mesmo pena de prisão.

Atendendo às comodidades criadas por D. Mafalda esta rota foi, ao longo da Idade Média, usada com frequência por peregrinos que das Beiras se dirigiam à Catedral de Santiago.   

Actualmente, no Marco de Canaveses, a albergaria ainda subsiste, no entanto, no edificado actual, aparentemente já não se vislumbram vestígios medievais, sendo evidentes os acrescentos e as alterações que foram sendo feitos ao longo dos tempos. No século XVI, foi acrescentada uma capela dedicada ao Espirito Santo.

Consta, ainda, que D. Mafalda terá fundado outra albergaria no actual perímetro urbano da Cidade de Amarante, a Albergaria do Covelo do Tâmega (na Rua 31 de Janeiro). No entanto, não existe qualquer prova documental que a confirme, apenas a sua memória. Embora seja provável, atendendo à rede de apoio estabelecida desde Porto de Rei – Lamego, com albergarias em Moledo, Canaveses e Amarante. 

A preocupação da soberana para com os viajantes em geral e os peregrinos em particular encontra-se bem patente no seu testamento que se passa a citar, tendo por base uma transcrição do séc. XVIII, publicada em Memórias Ressuscitadas da Província de Entre Douro e Minho: «Porem faço carta de testamento, ou de couto mui firme por esta guisa. Leixo o meo Passo de Canaveses, que eu figi, en que eu pousei en quanto mandei fazer a ponte de sobre Tâmega: a qual morada de Passos deixo por esprital com os foros e rendas, que eu hei naquelles lugares de São Pedro e de Santa Marinha de Fornos, a saber: os leixo aforados, e que tudo se pague ao dito esprital com a minha apresentação da igreja de São Pedro, cabeça de cappella, que figi sobre o rio Tâmega, com as azenhas do rio de Passo, que eu figi, e que não estemende outras, se não renderem para o dito sprital, com as portagens das ditas freguesias, que eu ende hi…» «…E o dito esprital será sempre limpo, e bem cuberto, com portas cerradas, e com camas, en que bem posão jazer nove pilingrinos, os, que serão aprezentadas rações en de entrada, en de partida, e mais lume, e sal; e finando-se alguns dos piligrinos, seja enterrado com três misas de sobre altar e com pano e sera». 

A rainha viria a falecer em Coimbra, a 3 de Dezembro de 1158, provavelmente no decurso de complicações do parto da infanta D. Sancha.

D. Mafalda foi sepultada no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e os seus restos mortais foram, em 1515, trasladados para o novo túmulo de D. Afonso Henriques, construído por D. Manuel.

A vida da primeira rainha consorte de Portugal foi breve, mas o seu legado permaneceu na memória e nas gentes do Baixo Tâmega, particularmente nas do Marco de Canaveses que ainda a recordam com reverência. Contudo, o legado e a sua memória são, em alguns casos, confundidos com as acções de uma sua neta, a infanta D. Mafalda de Portugal (1195/96 – 1256), cuja vida também foi passada entre as margens dos Rios Tâmega e Douro. 


[1] – O primeiro prior de Santa Cruz faleceu a 18 de Fevereiro de 1162, em aura de santidade e é canonizado 1 ano depois, pelo papa Alexandre III, tornando-se assim no primeiro Santo Português.  

Bibliografia:
BENEVIDES, Francisco da Fonseca; Rainhas de Portugal; Livros Horizonte (Edição Fac-similada); Lisboa; 2009.
CRAESBEECK, Francisco Xavier da Serra; Memórias Ressuscitadas da Província de Entre-Douro-e-Minho, no ano de 1726, Vol. I; Ponte de Lima; Edições Carvalhos de Basto (edição fac-similada); 1992. 
FIGANIÈRE, Frederico Francisco La; Memórias das Rainhas de Portugal; Lisboa; Typographa Universal; 1859.  
PINHO, José de; Materiais para o estudo do Povo Amarantino, A Albergaria do Covelo do Tâmega, in Semanário Flôr do Tâmega, nº 2 443, ano 47; Amarante; 29 de Outubro de 1933. 
PINHO, José de; Materiais para o estudo do Povo Amarantino, A Albergaria do Covelo do Tâmega, in Semanário Flôr do Tâmega, nº 2 444, ano 47; Amarante; 5 de Novembro de 1933. 
PINHO, José de; Materiais para o estudo do Povo Amarantino, A Albergaria do Covelo do Tâmega, in Semanário Flôr do Tâmega, nº 2 445, ano 47; Amarante; 12 de Novembro de 1933.
MONTEIRO, Emília; Amarante/ Canaveses – Caminhos de Santiago, in Actas do I Congresso Histórico de Amarante, Igreja e Espiritualidade, Vol. II; Amarante; Câmara Municipal de Amarante; 2000. 
MONTEIRO, Emília et SANHUDO, Emílio A.; Vocação Viária, in Actas do I Congresso Histórico de Amarante, Igreja e Espiritualidade, Vol. II; Amarante; Câmara Municipal de Amarante; 2000.
RIBEIRO, Daniel José Soares; A Albergaria do Covelo do Tâmega no Contexto das Peregrinações a Santiago de Compostela, durante a Idade Média in Testemunhos, nº 2; Amarante; Circulo Lago Cerqueira; 2010.

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