A arte da lã ainda resiste em Bustelo

Rocas e fusos aparecem em estórias de encantar, mas tempos houve em que foram utensílios fundamentais para enfrentar a exiguidade da vida nas serras. Em Bustelo, a ancestral tradição  de fiar lã e coser meias sobrevive, mas por um fio.

Maria de Lurdes Conceição ainda vive em Basseiros – Bustelo ao lado da antiga casa onde nasceu. Hoje, com 75 anos de idade, é uma das poucas pessoas da área que mantêm viva a tradição e a arte da fiação de lã e do fabrico de vestuário.

Explica que começou a fiar e a coser aos nove nos de idade, quando ainda estava na escola. Da mãe, herdou o saber ancestral da arte e um tear que ainda hoje utiliza, mas pouco.

“Tapetes no tear, só para a família”, diz, enquanto demonstra a operação inteiramente manual do velho aparato de madeira. “Já não há quem faça peças para isto e é um trabalho muito pesado”, explica.

Mulheres tinham papel na economia da casa

Em Basseiros, e na região afetuosamente conhecida como o contraforte do Marão, as condições de vida foram sempre pautadas pela geografia acidentada. As oportunidades de trabalho na terra eram escassas e, por isso, os habitantes rumavam às serras para garantir o sustento da família.

Enquanto os homens laboravam nas minas, mulheres e crianças suplementavam os magros salários recolhendo ervas aromáticas nas serras e manufaturando vestuário em lã para, mais tarde, vender ou trocar por bens essenciais.

Os produtos resultantes destas atividades eram comercializados a casas de Amarante e Marco de Canaveses. Por outro lado, nas antigas “vendas” (mercearias) trocavam-se pelo que não se tinha em casa: o petróleo, o sal, o azeite e por aí fora.

“Ainda se conseguia fazer uma vida, contribuir para as contas da casa e ir adquirindo as pequenas coisas que eram necessárias”, explica Maria de Lurdes.

Entretanto ultrapassada pelo pronto a vestir e tecidos baratos, a lã perdeu a sua importância na economia local. Hoje, contam-se pelos dedos de uma mão as pessoas que ainda se dedicam à arte.

“Agora, este tipo de trabalho não dá para o sustento”, sublinha, acrescentando que mesmo assim, ainda ajuda a “complementar a reforma”.

Lã melhor que sintéticos para um pé “quente e seco”

Maria de Lurdes Conceição não vai a mais feiras artesanais porque não tem carro. “Foi algo que nunca tivemos, eu e o marido”, confessa, mas não perde a oportunidade de aparecer na maioria dos eventos locais, nomeadamente na Feira à Moda Antiga, Festas do Junho e Feira do Cavalinho.

Meias, luvas e outros pequeno acessórios de vestuário são feitos da lã que ela própria fia num fuso e uma roca em pau de oliveira com mais de meio século. E os artigos são muito apreciados no inverno, assegura. “A meia lã pura mantém o pé quente e seco, melhor que qualquer tecido moderno”.

E ainda faz, aqui e acolá, um artigo por encomenda. O mais recente: uma luva sem dedos, exceto o polegar, útil para quem usa teclados ou toca instrumentos de corda.

Passar o testemunho

Apesar de ter algumas esperanças que a arte ainda se propague às gerações seguintes (a neta, adolescente, é hoje a sua companheira em feiras e exposições) Maria de Lurdes não tem muitas ilusões sobre o futuro da arte da lã.

“Em 1992 tive 12 meninas ao meu cuidado durante um ano em que lhes ensinei tudo o que eu sabia sobre a lã e a tecelagem. Hoje, só uma está cá, cose sapatos. As restantes, emigraram”.

Mas o sabor da experiência é que ainda não lhe passou e se lhe perguntarem o que gostaria de fazer, agora aos 75 anos, e em jeito de conclusão, não hesita na resposta:

“Poder ensinar a arte a mais pessoas. É o que me vai na alma, hoje em dia: passar o saber para não se perder”.

 

Este artigo foi publicado originalmente na edição de verão de 2018 da edição impressa da Amarante Magazine

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